Os motores do novo avião de Dayane Limns roncaram de modo constante, quando ela se preparou para aterrissar em Mission Ridge, uma comunidade acessível por avião, nos arredores de Mission Creek, Texas. Não havia nenhuma aeronave na pista, e, além da dela, nenhuma outra se aproximava para aterrissar.
Do ar, podia avistar a casa que comprara no ano passado. Era uma casa grande para uma mulher solteira, e ainda não estava completamente mobiliada, mas ela estava satisfeita com o grande imóvel.
Com a pista de decolagem particular quase à sua porta, e o campo de golfe do Estrela do Texas Country Club nos arredores, ela poderia praticar seus dois passatempos favoritos: jogar golfe e voar. Pretendia gozar de sua aposentadoria ali.
Mas, isso ainda estava longe de acontecer. Aos 29 anos de idade, tinha muito chão pela frente antes de cavalgar rumo ao pôr do sol. Contudo, com seu avião novo e mais veloz, ia ser muito fácil atravessar, ida e volta, os 156 quilômetros que separavam Mission Ridge de Houston, onde tinha uma cobertura e um consultório. Como cirurgiã cardíaca, tinha uma agenda cheia.
Ela pousou o pequeno e ágil bimotor, com lugar para quatro passageiros, e taxiou pela pista, seguindo para o hangar particular nos fundos do terreno. Em vez de entrar com o avião no galpão, Day o deixou na praça de manobra. Já estava atrasada para o almoço que combinara com sua amiga e parceira de golfe, Verônica Iglesias . Mais tarde se encarregaria do avião.
Atravessou correndo o gramado nos fundos, ativando o controle remoto que abria a porta da garagem ao lado do hangar. No interior da garagem, sentou-se atrás do volante do carro esporte conversível que mantinha em Mission Ridge.
Outra excentricidade, ela era a primeira a admitir, mas não se arrependia do custo. O tempo que passava ali no coração da comunidade pecuária do Texas lhe proporcionava o descanso necessário para que realizasse suas cirurgias com total confiança. Durante sua residência, seu mentor, um dos mais proeminentes cirurgiões cardíacos do país, a avisara repetidamente da importância de administrar bem o próprio tempo.
Normalmente, Day chegava na sexta à tarde, mas fora retida por uma cirurgia de emergência no dia anterior. Depois, dormira demais naquela manhã, o que fez com que se atrasasse para a decolagem.
Verificando o relógio, sorriu e virou a chave de ignição. Saiu da garagem, apertou o botão para baixar a porta atrás de si, olhou para a esquerda e, sem ver ninguém se aproximando, acelerou o carro.
E, na mesma hora, pisou no freio.
Cantando pneu, o carro se deteve a cerca de 15 centímetros de uma beldade um pouco baixa mas esbelta que estava postada no meio da rua. Ela se virou para a médica com os olhos amarronzados faiscando.
- Sua vampira - disse com a voz zangada, porém melodiosa. - Deviam cancelar sua carteira de habilitação, dirigindo feito uma maníaca por uma área residencial.
- Ora, minha querida - retrucou Day, ligeiramente irritada. - Não contava em dar de cara com uma mulher desfilando no meio da rua.
- Não estava "desfilando". Estava atravessando a rua.
Day a examinou de cima para baixo, depois, olhou para a rua e de volta para a mulher. Em tom filosófico, disse:
- Talvez não saiba, mas a menor distância entre dois pontos é uma linha reta. Atravessar diretamente a rua a faz chegar ao outro lado mais rápido do que fazer uma curva. Também pode poupá-la de acabar sendo atropelada.
- E prestar atenção por onde vai pode impedir que mate alguém e acabe presa.
- É, bem pensado - concordou a cirurgiã, incapaz de parar de sorrir.
Usando calça de algodão azul e uma blusa de tricô que lhe delineava perfeitamente o corpo, a mulher era muito bonita. Além do mais, Limns sempre se sentira atraída por mulheres temperamentais.Day a observou atravessando a rua, de cabeça erguida, com o cabelo ruivo cacheado balançando um pouco à baixo da altura dos ombros. Jamais vira alguém se movimentar daquele jeito, com a graça e a dignidade de uma princesa de conto-de-fadas. E a fúria justificada de um pastor evangélico.
Um nome lhe veio à cabeça. Carol Biazin .
Não a conhecia pessoalmente, mas já a vira se apresentar. Era a bailarina principal do Bale de Houston.
A irmã recentemente se casara com Matt Coutinho . Um acontecimento surpreendente, considerando-se que há gerações uma rixa separava os Coutinhos e os Biazins . Mas Day soubera que, para o casamento, uma trégua fora declarada.
Observando o delicioso balanço de seus quadris, a médica descobriu uma nova apreciação pela graça de movimentos de uma bailarina. Para sua surpresa, uma imagem apareceu em sua cabeça - elas em uma cama enorme, as pernas grossas ao redor da cintura da bela jovem médica ...
Opa!
Balançando a cabeça, afastou da mente tais pensamentos.
- Ei - gritou. - Quer uma carona para algum lugar?
Carol lançou-lhe um olhar mortal.
- Não, obrigada. Alguém está vindo me buscar.
Por um rápido instante, Day desejou ser esse "alguém". Esqueça, aconselhou a si mesmo. A moça obviamente era uma destruidora de corações. Além do mais, não estava à procura de relacionamentos duradouros. Sua vida estava ótima do jeito que estava.
- Até que é bonitinha - disse sorrindo. Limns pisou no acelerador e deixou a beldade arrogante para trás.
No Estrela do Texas Country Club, no coração do condado texano, ela entregou as chaves do carro ao manobrista e entrou no prédio da sede. Comparado ao dia ensolarado de setembro, o interior do Yellow Rose Café estava escuro. A médica se deteve, para dar tempo para seus olhos se acostumarem.
- Day , aqui - chamou Vero, como costumada a ser chamada .
Day colocara uma ponte de safena no pai de Vero, cinco anos atrás. Desde então, ela já visitara o rancho da família várias vezes e acabara se tornando uma grande amiga dos irmãos Coutinhos , Vero e Matt.
- E, então, o que está acontecendo? - disse Day sentando-se à mesa e pedindo ao garçom um copo de chá gelado. - Não ao estilo do Texas - acrescentou.
O chá do Texas podia afetar bastante uma mulher depois de um copo de uma mistura potente de bebidas alcoólicas com chá e frutas.
Vero sorriu, quando o garçom as deixou a sós.
- Já soube a respeito de Carl Bridges?
- É, eu vi na TV. Alguma novidade?
Vero assentiu.
-Normani Kordei não está querendo mostrar o jogo, mas parece que prenderam alguém.
Normani kordei era uma colega de golfe e uma promotora pública local e encarregada do caso.
- Alguém conhecido?
- Não. Pelo que soube, um membro do crime organizado, mas não ponho a mão no fogo quanto a isso. No momento, tudo não passa de rumores e conjecturas.
O crime organizado referia-se à infame máfia texana, sobre a qual os comediantes gostavam tanto de fazer piadas. Mas assassinato não era motivo de piada, e esse caso se mostrava particularmente comovente. Poucos dias antes do assassinato de Carl Bridges, seu filho, com quem há muito rompera relações, voltara para casa buscando uma reconciliação. Dias mais tarde, ele acabou sendo um dos suspeitos do assassinato do pai. Felizmente, acabou sendo inocentado.
Uma garçonete veio atendê-los - Daisy, dizia o nome no crachá -, uma loura texana com um sotaque tão carregado que fazia Day sorrir cada vez que a escutava falar alguma coisa. Ela e Vero fizeram seus pedidos.
Algo chamou a atenção de Day . A mulher esbelta vestida de azul que apareceu na sua linha de visão. Ela estava acompanhada de uma mulher um pouco mais velha. Algum parente , Day presumia pela similaridade dos traços.
Uma pontada de interesse percorreu seu corpo. As duas mulheres estavam sentadas na varanda que dava para o famoso campo de golfe.
- Carol Biazin - murmurou Vero, olhando para as mulheres, e depois para Day . - E sua prima, Larissa Biazin.
- Hum - disse Limns . O nome Biazin a lembrava de outra coisa. - Como estão os recém-casados?
- Quem sabe? Os dois ainda não saíram de casa - disse Vero , sério, e depois começou a rir.
- Lamento ter perdido o casamento. Soube que foi emocionante.
- E foi, mas toda a ação de verdade aconteceu em Nova York, no apartamento da mãe de Larissa . Uma verdadeira loucura, pode-se dizer. Renan Biazin estava ameaçando dar um tiro em Matt, após descobrir que Raphaela havia sido... comprometida. E eu estava determinado a salvar Matt de si mesmo. Mica , a mãe de Larissa , distraiu os dois lados em pé de guerra, enquanto Matt e Rapha deram um jeito de escapulir e casar. Renan e eu não tivemos escolha senão pegar nossas coisas e voltar para casa.
Day riu, mas ela sabia que os Coutinho e os Biazin outrora haviam sido grandes amigos. O bisavô de Vero e o melhor amigo JP Biazin, até fundaram juntos o clube, mas uma desavença por causa de um escândalo familiar e os direitos sobre poços de água deram início a uma rixa que se estendeu por quase um século.
Indignada, Dayane pensou nas coisas pelas quais as pessoas lutavam. Se ao menos pudessem ver as batalhas contra a morte que ela presenciara, talvez tivessem outra perspectiva da vida.
Chega de pensar nisso, repreendeu-se. Estava ali para se distrair. Contudo, havia mais um problema a ser discutido que nada tinha a ver com cirurgias cardíacas em Houston.
- Alguma novidade quanto a Lena? - perguntou.
Levara o maior choque de sua vida quando estava jogando golfe em maio. Ali mesmo no clube, no local do nono buraco, as quatro parceiras de golfe encontraram um bebê abandonado. O verdadeiro problema viera quando as três mulheres se viram como suspeitos de ser a tia da criança. Pior, todos as quatros admitiam que havia a possibilidade de isso ser verdade. Cada uma delas possuem irmãos e namorados atuais que estiveram envolvidos em um relacionamento mais ou menos breve ao longo do ano anterior. Day ajudou suas amigas e amigos a procurarem um método mais eficiente para saber sobre a paternidade da criança.
Exames de DNA já haviam provado que a Vero não podia ser a tia. Restava apenas testar nos atuais namorados de Bea e Maia Mitchell. Já que ambos eram suspeitos.
Como Day, na verdade, estava substituindo Luke Vives na partida, Luke também era um dos suspeitos, cunhado de Coutinho e portanto, irmão de Lucy Vives . O bilhete deixado com o bebê acabara ficando molhado, e o nome do pai fora apagado. A única parte legível fora: "Sou sua sobrinha . Meu nome é Lena".
A polícia concluíra que alguém as estivera observando jogar e escolhera o local isolado do nono buraco, onde os arbustos escondiam um galpão de manutenção. As pegadas indicavam que alguém se ocultara ali enquanto as vigiava quando encontrassem o bebê.
Vero achara melhor ser ela a cuidar do bebê. As quatro se juntaram para contratar um investigador particular para encontrar a mãe ou alguém que pudesse estar ligado à criança.
- Tenho outras novidades - disse Vero , afastando as mãos da mesa quando a garçonete trouxe a comida. - Testamos o DNA de Lena durante o exame geral a que a submetemos, para fins de comparação com os candidatos a pai, lembra?
Day assentiu.
- Pois é, descobriram algum tipo de anemia, tala...
Daisy quase deixou o prato cair diante de Day .
- Talassemia - disse ela, baixinho.
Limns notou que ela parecia estar meio abalada. Lembrando-se de seus dias de faculdade de medicina, explicou à amiga:
- É um tipo de anemia comum naqueles de descendência mediterrânea. Sem dúvida indica um fator hereditário.
- É, foi exatamente o que o médico nos falou - disse Iglesias. E olhou para Daisy com curiosidade. - Como sabia da existência dessa doença?
- Uma amiga minha tem - explicou ela com seu carregado sotaque texano.
- Lucy e eu estamos preocupados com a possibilidade de isso vir a afetar o crescimento de Lena. Sua amiga mencionou alguma dificuldade quanto a isso?
Vero contratara Lucy como babá para Lena, e acabou se casando com ela. Na verdade, as dois já estavam até esperando um filho, além de cuidar de Lena. O destino tinha um estranho senso de humor, pensou a médica .
Seu olhar se voltou para a princesa dos Biazins, enquanto Vero e Daisy conversavam sobre os exames necessários para que fossem detectadas possíveis reincidências da anemia no bebê Lena.
Carol estava dando atenção a um amigo que se aproximara de sua mesa. Pelo que Day pôde perceber, o homem estava se vangloriando de sua vitória em uma tacada sobre alguns amigos. Ela sorria como se estivesse entregando ao sujeito um troféu de ouro. Day procurou conter sua irritação.
O que lhe importava com quem ela falava e flertava?
Nem um pouco, procurou se convencer. Ah, mas ela fazia bem aos olhos...
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The artist
FanfictionO que você faria caso se apaixonasse pela sua paciente? Em the artist, Day Limns se vê totalmente encantada pela difícil e irresistível bailarina, que de maneira quase que forçada, torna-se sua paciente. Carol Biazin era uma bailarina em acessão, a...