Anjo Azul

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Se você está no celular e sua mãe — por exemplo — resolve lhe contar algo, de duas, uma: ou você finge que está escutando ou tira os olhos da tela e ouve de verdade sua omma.

Porque a mente humana é assim, tem que se desligar de algo para focar em outro, entretanto, a minha funciona diferente. Meus sentidos são dez vezes mais aguçados que o seu! Mas calma, eu não sou nenhum super herói. Pelo menos não é assim como as pessoas que estão agora ao meu redor, pensam.

Sentir o cheiro forte do perfume que a vendedora borrifou, ao mesmo tempo que escuto o choro agudo do bebê no carrinho e os balões coloridos de uma loja que está em promoção, ofuscam minha visão. Meu coração acelera, dando indícios de que irei entrar em crise. Preciso fazer algo urgentemente.

— 1, 2, 3, 4, 5, 6...

Mesmo contando, meus pensamentos não conseguem se organizar. Na maioria das vezes, isso funciona. Eu coloco as mãos nos ouvidos e fecho os olhos, porém a sensação ruim não passa.

— Je#@, $# * @#& ?

Não é por que eu quero, eu não consigo controlar. Essa é a reação do meu corpo ao presenciar algo muito conflitante. Meus olhos, assim como meus ouvidos são sensíveis e a senhora que deixou suas moedinhas caírem ali perto, só piorou a dor aguda dentro da minha cabeça. Então, desesperado, tento buscar alívio e me jogo no chão, dou um impulso para bater minha testa no mármore gelado, mas alguém me segura.

— Não Ju#!/$&*! Vamos @^&/#!

Escuto pessoas me julgando, enquanto alguém me ergue. Entro em uma cabine metálica e sinto o chão mexer. Estou com medo. Tiro as mãos dos ouvidos e começo a bater palmas.

— ... 100, 101, 102, 103, 108...

Droga, errei, preciso começar de novo.

O barulho vai diminuindo à medida que o chão para de mexer, então a porta de metal se abre e alguém me puxa. Aqui não tem pessoas, nem moedas, só carros. Aliás, estou dentro de um agora. O vidro do veículo está abaixado e percebo que estou no subsolo. Aqui é escuro e a lâmpada que pisca sem parar dá um ar sinistro, parece filme de terror, assim como o gato preto que surgiu de baixo de um carro popular. Coloco meus pés no banco e abraço minhas pernas, me balançando para frente e para trás.

— Você @#/^?

O gatinho continua miando. Será que ele está com fome ou sede? Sinto alguém segurar meu rosto gentilmente e só assim esqueço o felino.

— Olhe para mim... Isso.

Eu paro de me balançar.

Minha respiração está se normalizando, meus músculos menos tensos e aos poucos vou reconhecendo o rosto familiar à minha frente. Ele sempre tem esse efeito em mim.

— Jeon, está tudo bem agora. Eu estou aqui, o seu Jimin.

Sim. O meu Jimin! Abro um sorriso e ele retribui, me dando um beijo rápido e me abraçando. Parece aliviado e sei que, de fato, deixo o hyung preocupado.

— Des... desculpa.

Estou com uma vontade enorme de chorar, mas ele cobre meus lábios com seu indicador.

— Não diga isso, a culpa foi minha por insistir em virmos. Deveria ter imaginado que em dia de estréia, o cinema é sempre lotado.

Isso é verdade, contudo, o rosto do Jimin-hyung está tão triste enquanto coloca o cinto em mim, que sinto que preciso negar, o único problema é que não sei mentir.

— Está com fome? Eu nem tive tempo de pegar os sanduíches que já tinha pago. — comenta enquanto troca de marcha.

Me encosto no banco, lembrando das garotas que também estavam na fila para comprar ingressos.

"Aquele bonitão é namorado desse retardado? Que desperdício."

Elas riam debochadas enquanto "secavam" meu hyung, que estava na fila do lanche. Lógico que escutei, sou autista, e não deficiente auditivo. Infelizmente essa foi a gota d'água para um balde que já estava transbordando.

Acho que o hyung está falando alguma coisa. Foco, Jungkook!

— Então, é uma pena não ver o seu super herói favorito.

— Eu gosto do Homem de Ferro, hyung, e não do Homem Formiga!

— Aigoo, sério? — diz surpreso. — Eles são tão parecidos.

Eu balanço a cabeça negandoo repetidas vezes. O hyung fala cada coisa.

— E eu não queria ir mesmo, por mim tinha ficado em casa jogando Guitar Hero.

— E por que não me contou?

Eu só encolho os ombros e viro o rosto para a janela, agora com os vidros levantados, pois deve estar muito frio lá fora. Depois que a adrenalina passou, sinto meu corpo dolorido. Não sei quantos minutos fiquei em transe, mas devo ter me machucado quando me joguei no chão do shopping, que devia estar imundo. Trilhões de bactérias devem estar andando por mim agora... eca! Preciso tomar um banho.

— Jeon, escutou o que eu disse? — o hyung toca justo onde está doendo e é involuntária à minha careta de dor. — O que foi? Você se machucou? — pergunta preocupado, vez ou outra alterna o olhar para mim e para a pista.

— Não, não... — nego, mas como já disse, sou um péssimo mentiroso.

O hyung diminui a velocidade e para o carro no acostamento, liga a luz do teto do carro e me encara com as sobrancelhas loiras franzidas.

— Onde está doendo, Jungkook? — eu me encolho no banco, porém, não respondo. — Onde está doendo, Jeon Jungkook?! — pergunta aumentando o tom de voz. Isso me assusta.

— Tudo, hyung. Aqui também... — digo triste, apontando para o lado esquerdo do peito.

Acho que isso foi o suficiente para o meu Jimin desmoronar na minha frente. O que é muito raro... Então ele me abraça com força. Está quase me sufocando. Eu peço para ele me soltar?

— Desculpa, amor. Eu odeio brigar com você... Foi eu que tive essa ideia horrível de ver o filme, contudo, pensei que isso aliviaria seu estresse por causa dos preparativos. Ainda tem a sua faculdade de Artes Plásticas e meu trabalho, não estamos tendo muita tempo juntos e fora o... — e ele continua falando. Meu Jimin também está com muito pressão, vejo pelo jeito afobado dele falar, seu peito sobe e desce enquanto eu beijo suas lágrimas.

— Tem certeza de que ainda quer casar comigo, hyung? Eu não sou perfeito.

— Ei! Para mim, você é sim! De onde tirou uma bobagem dessas?

— E-eu tenho minhas limitações...

— Eu sei muito bem disso, já moramos juntos há um ano e isso só me fez ter a certeza de que te quero do meu lado, para sempre! — diz segurando meu nariz e colocando seu cinto novamente, ligando o carro. — Agora vamos para o nosso cantinho, jogar playstation e comer pizza!

— Pizza, pizza, pizza!

— E quem perder primeiro lava a louça o mês inteiro.

— Ah, é mesmo? Tenho pena de suas lindas mãozinhas. — confesso entrelaçando nossos dedos e admirando nossas alianças. — Então dessa vez irei deixar você ganhar, tá?

— Está bem, meu anjo.


[👼]

Como disse, essa foi minha primeira one-shot que fiz em 2019. Foi daqui que veio os extras.
💙

Anjo AzulOnde histórias criam vida. Descubra agora