O sol começava a nascer no horizonte de Niceia e Mayar era a única da família que estava acordada. Ela havia aproveitado a madrugada para adiantar o almoço que sua mãe, Ayla, serviria mais tarde para os Bürsin.
Já transcorria algumas semanas desde que os pais da garota vinham conversando sobre pretendentes para a mesma e, recentemente, teriam entrado em consenso... Mehmet, o único descendente de uma das famílias mais influentes da cidade, este seria o genro perfeito. Mary não gostava da ideia, mas seu pai insistia que ela já estava passando da idade de assumir as responsabilidades de uma mulher, afinal, tinha completado 18 anos não fazia muito tempo. Por mais que sua postura fosse contrária, Mayar decidiu ignorar suas vontades e realizar o desejo dos seus progenitores, não que houvesse opção além dessa.
Estava terminando de cortar alguns legumes quando sua mãe apoiou o franzino tronco na parede de pedra, parando ali para admirar os dotes culinários da filha.
— Obrigada querida, mas não era necessário ter acordado tão cedo para isso. — disse, com ternura.
— A senhora anda fraca, precisa descansar e não passar horas cozinhando. — falou, demonstrando certa preocupação em seu tom de voz — De qualquer forma, já estava acordada, só resolvi me adiantar um pouco. — passou a cortar os peixes — Além do mais, em breve essa irá se tornar minha rotina, certo? Estou treinando para ser uma boa esposa e dar orgulho para minha família.
— Mary... — Ayla se aproximou, depositando uma de suas mãos no ombro direito da menina — Eu já me orgulho de você com ou sem marido, sabe disso.
Um pequeno sorriso formou-se nos lábios das duas.
— Seu pai também se orgulha, é só que... — o clima da conversa tornou-se tenso subitamente — Osman se preocupa demais com os negócios da família, nosso sobrenome tornou-se conhecido pelas ruas, agora devemos engrandecer e preservar nossa imagem mais que o normal.
Mayar assentiu, mesmo que seu interior discordasse veementemente da postura de seu genitor.
Ayla pediu desculpas, mas precisava voltar para a cama, não estava se sentindo bem e despediu-se dando um beijo na testa da garota. A matriarca estava sofrendo constantemente com fortes dores de cabeça, a ponto de ter desmaiado por conta do latejar excruciante. O médico da cidade fora contactado, mas nenhuma descrição específica resultou de sua visita, a única solução dada por ele foi o repouso.
Ao terminar os preparativos, Mary decidiu tomar um banho. Ela podia sentir o nervosismo tomar conta de seu corpo, sua boca estava seca, suas mãos encontravam-se trêmulas e suas pernas bambas, mal conseguia juntar forças para tirar suas vestes. Ao adentrar na banheira e deixar seu corpo repousar sob a estrutura, permitiu-se devanear.
Os primeiros pensamentos que surgiram foram sobre o casamento, naturalmente. Questionava-se sobre como seria estar na posição de esposa, se seria capaz de amar seu marido, se poderia render-lhe frutos... Enfim, mais perguntas do que respostas. No entanto, ao tentar varrer sua mente, a primeira coisa que veio à sua cabeça foi a memória do sonho que tinha tido naquele mesmo dia. Faziam-se anos desde que tivera tido sonho parecido com este, costumava ser algo recorrente quando pequena, porém eles haviam cessado conforme começou a entender que nada daquilo era real. Por que teriam voltado agora?
Ao começar a se arrumar, pôde ouvir vozes vindas da sala, logo reconhecendo três delas, as de seus familiares. Chegaram, pensou. A menina respirou fundo e soltou o ar vagarosamente, repetindo o processo algumas vezes, até sentir-se pronta para encarar seu futuro companheiro e os olhares julgadores que viriam da parte de seus pais. Prontamente, colocou suas roupas e adornou-se com um de seus turbantes favoritos. Estava fisicamente pronta para ficar frente à frente com desconhecidos. Já seu emocional... Mas não era isso o que importava agora.
Respirou fundo mais uma vez e finalmente tomou coragem para abrir a porta. Todos já se encontravam ao redor da mesa, mas levantaram assim que a viram. O rapaz, que tinha olhos escuros e cabelos encaracolados de mesma tonalidade, veio em sua direção.
— Sou Mehmet. É um prazer imensurável poder finalmente conhecer-te, Mary.
A mesma espantou-se. Somente sua mãe chamava-a dessa forma.
— Espero não ter lhe deixado constrangida. — falou, após notar um leve incômodo — Ayla contou-me que a senhorita prefere ser chamada assim.
— Sem problemas, eu apenas não estava esperando por isso.
Não era verdade, ela queria ter dito que havia se sentido desconfortável, porém, sabia que dizer tal coisa em voz alta seria considerado como desrespeito e estava longe de querer causar uma má impressão.
Mayar apresentou-se brevemente para Eda, pai de seu futuro marido e Sibel, a mãe dele. Logo sentando, ficando de frente para Mehmet e ao lado de Aslan, o qual sustentava uma expressão séria, o que a fez cutucar o gêmeo a fim de descobrir se ele estava bem, mas o mesmo sequer pareceu notar, mantendo-se da mesma forma. Ficou confusa, mas decidiu que o interpelaria em outro momento.
O almoço que tinha preparado recebeu elogios de todos, algo que a deixou relativamente feliz, mas fez questão de recusar todos para demonstrar humildade, estratégia a qual funcionou.
Ao fim da tarde parecia que tudo tinha ocorrido bem. Todos conversaram e foram gentis uns com os outros e dessa forma puderam desfrutar de um momento agradável, ou, pelo menos, o mais próximo disso. Pois, apesar de todos os bons fatores, aquilo não deixava de ser um encontro arranjado para discutirem sobre um casamento arranjado.
— Mary... — Mehmet chamou-a enquanto os outros não estavam olhando — Essa foi uma tarde excepcionalmente deleitosa. Espero por mais almoços como este quando estivermos dividindo a casa. — riu, sozinho — Fico feliz de saber que minha futura consorte possui tantos atributos... — entrelaçou seus braços e começaram a caminhar pela fachada da casa, de forma lenta — Cozinha bem, é dona de uma personalidade doce e recatada e ainda é belíssima. Eu poderia querer alguém melhor?
— Espero que não. — afirmou, após uma lacuna de tempo ser construída, pois não sabia como e nem se devia responder tal pergunta.
O jovem rapaz sorriu e passou a mão pelo turbante dela, como se estivesse acariciando-o. O gesto causou pânico em Mayar. Homem algum, sequer seu pai ou irmão, haviam tocado em algum de seus turbantes. De alguma forma a situação lhe parecia errada, por mais que instante parecido viria a acontecer, aquela não lhe parecia ser a hora certa. Era um "toque" íntimo demais para pessoas que tinham acabado de se conhecer. Ela afastou a mão dele e pediu desculpas rapidamente, para que sua ação não soasse rude, voltando apressadamente para dentro de seu lar.
Mary foi de encontro à sua cama assim que terminou de se despedir de Sibel, que aliás, mostrou ser uma mulher gentil, mas de pulso firme, superando qualquer expectativa que ela pudesse ter tido e de Eda que era um homem que demonstrava ser severo e que, no entanto, era gentil e surpreendentemente humanitário, pois possuía ideias para projetos que poderiam vir a mudar a vida das pessoas miseráveis da cidade.
— Sei que vão se casar em breve, mas espero que até lá continue pura, como deve ser.
Sentou-se na cama rapidamente, somente para encarar seu irmão com um olhar furioso.
— Eu vi que quase permitiu que ele a tocasse de forma inapropriada. — bufou — Onde está com a cabeça garota?
— Mas eu não... — tentou iniciar sua justificativa.
— Não me venha com desculpas. — Aslan a interrompeu — Sorte sua que quem viu fui eu e não nosso pai.
Deixou que sua cabeça caísse. Se sentia envergonhada e injustiçada, afinal de contas, Mayar não permitiu que Mehmet se comportasse de tal maneira, ela sequer tinha lhe dado espaço para isso. Ela decidiu desamarrar o pedaço de pano que cobria sua cabeça, já que o mesmo só estava lhe dando problemas. Aproveitou o momento e trocou-se, pondo algo mais confortável para ficar dentro de casa.
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A Filha Das Sombras - Guerra Sangrenta [HIATUS]
Fantasía"Na guerra não existe o meio termo, ou você escolhe um lado, ou tem a morte como destino." Mayar (Mary) bem sabia disso e, por tanto, como a boa filha que era, estava ao lado de quem quer que seus pais apoiassem, mesmo que isso pudesse ir contr...