UM - Lembranças

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Me chamo Magareth Lauren. E o único motivo de eu estar escrevendo isto é para deixar claro algumas coisas.
Sim, eu sobrevivi, desgraçados, e sim, eu vou contar cada detalhe do inferno.
Está história começa em 1967, e eu peço que assim que lerem ela, divulguem para o jornal local de Louisville, quero que todo mundo saiba a verdade. E se depois disso, ainda conseguirem fechar os olhos sabendo o que está no topo da montanha, no que restou daquele sanatório, entregue meus escritos ao homem qual ainda pertence meu amor, isso deixará claro que eu nunca esqueci o que passamos... Ele ainda vai estar lá. Em meio ao que restou daquele lugar, na janela sala 502.
Era dia 27 de agosto de 1967,
Louisville nem sempre foi uma cidade grande, e naquele dia em específico em um lado da cidade se enterrava o velho Doutor Allan Cooper, psiquiatra, diretor e fundador de Waverly Hills até o dia em que foi encontrado morto na sua sala, há boatos que dizem que o mesmo tomou uma dosagem grande de remédios naquele dia, o que o matou em uma overdose, fazendo o coração parar, outros apenas aceitam o fato dele ter tido um ataque cardíaco sem razão específica. No outro lado da cidade, no sudeste e no alto de uma montanha, estava o sanatório Waverly Hills sendo apossado por Christopher Lauren, meu pai, o único médico que aceitou assumir seu cargo, fomos convocados pelo conselho de políticos responsáveis pela cidade após tentarem algum candidato na cidade e na vizinhança.
Foi aceito sem maiores problemas, ganharia melhor, e Louisville era um dos únicos lugares do país com educação gratuita naquela época. Mas não tendo psicologia como curso, o mesmo prefeito assinou as permissões para que eu, no terceiro ano de faculdade, pudesse estudar dentro do sanatório na prática, desde que prestasse as provas todos os semestres.
Parecia perfeito. Não compreendiamos como alguém não iria querer uma oportunidade daquelas. Parecia indispensável aquela chance.
Mais tarde eu percebi que aquilo foi o pior erro que um dia podíamos ter cometido em vida.
Era um lugar bonito, grande, com belas paredes, inúmeros repórteres apareciam lá regularmente para fotografarem o local e exibirem em seus jornais que os pacientes eram bem tratados. Tinhamos na época, mais de 2,000 pacientes, uma média de 50 médicos psiquiatras, e cerca de 200 enfermeiras. Totalizavam mais de 300 funcionários, desde cozinheiros à membros da direção. Tirando eu, que entre todos os médicos era a única psicóloga e além disso, a única mulher.
Me recordo que na época ninguém acreditava que eu passaria da primeira semana. E talvez eu devesse ter saído logo na segunda.
Mas aquele lugar era a paz. Acreditem caso queiram, sentia-se paz lá dentro.
No início o sanatório foi construído no intuito de abrigar tuberculosos, e com o passar do tempo se tornou um hospital psiquiátrico.
O que posso deixar claro, em primeiro momento, é que Allan Cooper desde o princípio queria daquilo um hospital psiquiátrico, mas nunca receberia créditos sem uma taxa de sucesso antecessora. E então começou como isolamento para pacientes com tuberculose.
Naquele tempo, a doença era mortal. Não tínhamos uma cura em mãos, então apenas isolavamos e esperávamos morrer.
Era o quinto ano desde que os casos de tuberculose haviam terminado, e o sanatório reaberto. Tentaram impor outro nome e o nos primeiros dois anos tratar apenas idosos, com graves demências ou sérias doenças  neurológicas, tais quais esquizofrenia. Na época, não muito bem compreendida pelos especialistas. Mas depois do segundo ano, começaram a aceitar adolescentes, e adultos com todas as formas de problemas mentais.
Eu me lembro até hoje do meu primeiro dia dentro do hospital. Entramos pela porta da frente, e o local estava verde e bem receptivo. Mesmo sendo verão, costumava ser mais frio ao alto da montanha mas mesmo assim não tirava a animação que eu tinha em começar a trabalhar lá dentro. Fomos recebidos por uma equipe grande, e eu lembro perfeitamente da saia preta que eu usava naquela manhã, suspeito que se virar meus velhos baús, ainda a encontre. Minha roupa me diferenciaria de qualquer outra enfermeira, usava jaleco ao invés de usar vestidos brancos.
A população do mundo todo naquele ano se preparava para no ano seguinte, causar uma das maiores revoluções culturais da história, o movimento feminista tomava força, pedíamos paz da Guerra fria e Guerra do Vietnã, hoje em dia fomos nomeados Hippies, aqueles que nessa geração pediam paz, negros criaram seu movimento "Black Power", e os gays estavam cada vez mais, se assumindo.
Visitamos cada ala daquele hospital, era tudo limpo, bem arrumado, e se sentia o luto pelo falecido diretor. Porém, também se escutava os cochichos dos pacientes sobre a morte do mesmo.
Foi neste momento que toda a energia de paz que tínhamos aderido foi embora.
O primeiro andar tinha casos tratáveis e fáceis, diga-se de passagem, eram apenas idosos dispensados pela família para os cuidados médicos. No segundo tinha crianças, não imaginava que tipo de problemas viessem atingir a crianças, eram 50 leitos dedicados apenas a elas. E todos preenchidos por apenas uma paciente e seus brinquedos velhos, a menina de 7 anos não tinha nome. Nunca havia falado uma palavra lá dentro. Apenas desenhava, ou gritava. A ciência nunca nos explicou o porque. Naquele mesmo andar se tinha inúmeros idosos com demência explícita. Alguns tiravam a roupa em meio a todos os outros, outros brincavam com bonecos, e até mesmo jogavam jogos de tabuleiros sozinhos.
No último piso eu sentia náuseas a cada vez que entrava. Era frio, escuro. Se via uma prisão.
Dentro de cada cela víamos pacientes atordoados a nível extremo, o que hoje em dia eu nomearia como esquizofrênia, em quase todos os casos, apenas era tarjado como loucura extrema, ou demência incurável. Eram estes os que representavam risco a sociedade.
E eram estes os pacientes que eram tratados pior que lixo. A comida deles costumava ser de pior qualidade, e basicamente serviam de cobaias para quase qualquer ato. Isso se devia sem dúvida ao fato das famílias simplesmente estarem se livrando de um peso ao deixarem eles ali.
Estes batiam a cabeça contra a parede em sussurros que ninguém compreendia, alguns desenhavam com o próprio sangue ou fezes na parede, alguns rezavam, e uns até mesmo mutilavam a si próprios com as unhas. Chamara a atenção de meu pai na época o velho que ria de nós enquanto passávamos pelo corredor. Parecia estar a ver uma cena de algum filme muito engraçado.
Me recordo plenamente de meu pai, com a sua bengala habitual, mesmo não sendo um homem com mais de 50 anos, se virando até a cela e caminhando calmamente com o chapéu em sua mão

-Vê graça em nós, senhor? - Questionou calmamente

-Me chamo Christopher - ele continuou ao ver que o homem não  esboçou  reação em meio uma breve pausa desagradável - É um prazer conhecê-lo.

Meu pai, o homem que tentava a todo custo humanizar seus tratamentos, disposto a tratar um doente tal como a seu próprio irmão. Suas raízes cristãs o cobravam aquilo.

-Não me interessa o seu nome - O velho sorri exibindo os dentes não escovados a muitos meses - Não nomeamos os cadáveres por aqui.

Ninguém naquela altura havia entendido as falas do velho. Me lembro de meu pai apenas bater a sua bengala contra as grades de ferro da cela ecoando um grande barulho e fazendo aquele homem recuar como um cachorro
Chamava atenção o fato de quase todos serem homens, e mais que isto, era o homem na última cela.
Aquele parecia sóbrio, e consciente de qualquer ato que viesse a cometer. Estava sentado na cama com as pernas cruzadas encarando os livros que tinha em cima de sua mesinha a lateral da cama. Provavelmente  decidindo o próximo  que iria ler.
Era sem dúvida o homem mais lindo que eu havia visto na minha vida até  então.
Eu tinha apenas 19 anos, e no terceiro ano de faculdade eu ainda não conseguia entender como alguma mulher podia desesperadamente desejar casar-se e apenas isto.
Aquele homem me fazia a boca secar. Cada pedaço da minha pele se arrepiava apenas com seu olhar. Era moreno, era alto, tinha olhos opacos. E um de cada cor.
Tentava entender como a heterocromia agia em seu caso, fazendo um olho ser completamente preto e o outro se libertava a um tom cinzento azulado.
Ainda posso ouvir minhas palavras naquela manhã

-Porque ele está aqui? - Perguntei curiosa a uma enfermeira.

-Nunca soubemos - A moça explicava com os olhos penetrantes nos meus - Mas o antigo diretor fazia questão de o manter aqui preso e cuidar do caso dele pessoalmente... Família importante. - Ela me contou calmamente - Thomaz raramente expressa algo além de desprezo.

Eu o encarei uma última vez antes de seguir os médicos para a saída daquela ala nojenta. Encarei  precisamente apertando entre as minhas mãos meu caderno de anotações, os olhos daquele homem. E foi ali que eu recebi o primeiro olhar, por segundos eu acreditava ter visto olhos completamente negros. E por outro eu percebi serem apenas os seus naturais.
Aquele olhar parecia tirar cada pingo de paz, era como se nunca mais eu pudesse vir a ser feliz novamente. Então apenas desviei naquele instante puxando o máximo de fôlego que podia e saí.

 Então apenas desviei naquele instante puxando o máximo de fôlego que podia e saí

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