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A vida é feita de algumas certezas imutáveis, verdades incontestáveis, coisas que ninguém pensa a respeito

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A vida é feita de algumas certezas imutáveis, verdades incontestáveis, coisas que ninguém pensa a respeito. Quer dizer, eu penso. Não é que esteja sobrando tempo ou que eu tenha pouca coisa para fazer, muito pelo contrário. É só que simplesmente não consigo controlar os rumos que minha mente resolve tomar.

Já parou para pensar, por exemplo, que existem lugares no mundo que você nunca vai conhecer? Que existem lugares no mundo que ninguém nunca viu? Pedaços de terra remotos, escondidos, perdidos no meio de sabe-se lá onde, onde nem uma sequer alma humana pisou? Isso se a gente pensar só no nosso planeta, não vou nem começar a considerar o resto do universo. Multiversos?  Não vamos por aí, existe um motivo para eu não ter seguido a insanidade de trabalhar com astrofísica como minha desvairada melhor amiga. Essas coisas de estrelas, planetas e o que mais o valha fazem minha cabeça querer explodir. Fico muito mais feliz com coisas que posso ver, sentir, medir e acompanhar de perto.

A questão é que o mundo é enorme. Gigante. Impossível de ser conhecido em sua completa magnitude. Mas eu quero tentar.

Quero conhecer o mundo inteiro, ou pelo menos tanto quanto me for permitido dentro da minha expectativa de vida de oitenta e quatro anos. Tenho tempo, mal fiz vinte e quatro.

Quero conhecer o mundo inteiro, começando provavelmente pelo lugar mais distante possível de onde estou.

Analiso o formulário em minhas mãos, lendo, pelo que deve ser a décima quinta vez cada uma das linhas. Bolsa de estudos. Projeto de um ano trabalhando em parceria com uma empresa na Nova Zelândia. Indicação de ninguém menos do que o chefe do laboratório, que é provavelmente a maior referência na área que já se viu nesse país.

A escolha é tão óbvia que sequer notei enquanto preenchia cada página. Marquei todos os exames que precisava, agendei o teste de inglês. Fiz uma nota mental para checar se meu passaporte está em dia e conferi cada uma das linhas que preenchi tantas vezes quanto humanamente possível. Ia ser o fim da picada perder essa bolsa porque soletrei meu sobrenome errado.

Nova Zelândia. Eu, que nunca nem saí do Rio Grande do Sul, estou seriamente considerando entrar em um avião e cruzar todos os continentes existentes para me aventurar em um país que mais parece parte de um conto de fadas.

Sentada de frente para o computador no já há muito tempo vazio laboratório de pesquisas da universidade federal onde curso meu mestrado, pouso os olhos sobre o relógio no canto da tela. Quase nove da noite em plena sexta-feira. Suspiro e recosto na cadeira, encarando os gráficos e tabelas abertos na tela.
Os dados não fazem o menor sentido. Ou talvez minha cabeça que não esteja muito boa, já que até estou olhando para os números e barras coloridas, mas é como se as folhas estivessem ali, olhando para mim, perguntando o que diabos eu estou esperando para escanear esse negócio e submeter minha aplicação de uma vez.

Só que eu sei muito bem o que está me fazendo hesitar. A data no calendário. O número ali, rindo da minha cara. A instrução na ficha de inscrição é bem clara: preciso estar lá em quarenta e cinco dias.

Beba antes de casar [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora