CAP I - A FUGA DE RUSSEL

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"James!", ele se encolheu na cama ao ouvir o grito de Mamãe.

A rotina de James era muito simples. Aos onze anos, não havia o que complicar, ainda mais sendo criado por uma mãe como a sua. Heloisa era obcecada por limpeza, e ele havia sido ensinado a ser o mais organizado possível, tanto com seus brinquedos quanto com seus horários: em seu quarto havia uma tabela feita com cartolina colorida especificando a devida hora para suas atividades, e se ele não a seguisse perfeitamente poderia ficar de castigo por até uma semana.

James não se incomodava em seguir a tabela, até porque todos que moravam na casa tinham uma, sem contar aquela que ficava presa na geladeira. Vovó achava graça disso e ignorava as tabelas, fazendo tudo na hora que bem entendesse, o que deixava Mamãe com a cara amarrada e o nariz franzido, como se estivesse sentindo um cheiro muito ruim.

Ela fazia isso com frequência, e quase sempre sem motivo.

Seu dia começava ás sete em ponto. James espiou o relógio e viu que ainda faltavam treze minutos. Ele normalmente se levantava, tomava banho, escovava os dentes, arrumava a cama e a bolsa e se vestia. Isso antes do relógio bater sete e meia, pois ele tinha que descer primeiro que sua mãe para limpar a sujeira do cachorro sem que ela visse (no caso, ela devia ter levantado mais cedo hoje). James tinha que terminar tudo e tomar café antes das oito horas, quando saia para verificar se o portão do quintal estava bem fechado, para que Russel não escapasse, e ia caminhando até a casa de tia Jodi. Sempre chegava lá às oito e quinze, esperava Patrick sair e iam caminhando juntos até a escola.

"James!", ele se encolheu novamente. Tinha que descer, ou ela viria buscá-lo pela orelha. Mamãe não tinha costume de gritar, achava falta de educação e não queria que os vizinhos ouvissem. Aliás, nada que pudesse colocar pensamentos negativos na cabeça dos vizinhos era permitido. James logo imaginou que a única coisa que a faria acordá-lo aos gritos era o cachorro.

Antes que Mamãe pudesse gritar novamente, James já estava de pé, descendo as escadas o mais rápido que se atrevia. Chegou à cozinha e prendeu a respiração para o que viu: sua mãe parada, apontando para o tapete da cozinha coberto de urina. Como ou quando Russel conseguiu entrar, ele não sabia dizer.

"É melhor se livrar disso, entendeu?", o nariz dela estava franzido como nunca e James podia jurar ter visto uma veia saltar em sua testa. Ela estava furiosa.

Não era novidade que Heloisa nunca quis um cachorro, e nesse momento ela não conseguia se lembrar porque deixou o filho ter um.

James tentou limpar a bagunça rápido, mas os padrões de limpeza exigidos por Mamãe levavam certo tempo, e é claro que ele acabou se atrasando. O máximo de café da manhã que conseguiu tomar foi uma torrada enfiada na boca ás pressas, antes de voar porta á fora.

Por sorte, chegou à casa de Patrick apenas três minutos após o horário habitual e ambos entraram na escola no último sinal. Apenas quando se sentou na carteira e abriu o caderno, foi que James se deu conta de que não havia verificado se o portão do quintal estava fechado, e o período entre a primeira aula e o almoço foi preenchido com a imagem de Russel solto na rua, sozinho, com fome, com frio, na chuva, sujo, doente, esquelético...

Parte de toda essa paranoia era Patrick. Seu primo havia confiado seu cachorro à ele desde a separação de seus pais e ia quase todos os dias visitá-lo, como se para lembrar James que estava de olho e que qualquer problema o faria dar um jeito de pegar Russel de volta. Claro, eles até que eram bons amigos, mas Mamãe sempre dizia para manter certa distância, uma vez que seu primo "agora não tinha um pai e sua educação merecia o beneficio da dúvida", e James imaginava que isso significava que tia Jodi poderia perfeitamente dizer a Patrick para pegar o cachorro de volta, embora também pudesse significar outras coisas.

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