Capítulo 05

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Iago Vilella

Meu dia amanhece totalmente conturbado. Vic, minha agente, ligou três vezes. Duas das chamadas são feitas para confirmar se estou seguindo o cronograma minucioso que ela me mandou por e-mail, na outra a carrasca me inferniza porque estou andando somente com um segurança. Fecho os olhos e finjo escutar tudo, até concordo, mesmo sem entender. Não gosto de guarda-costas, Isaac é um caso à parte, o cara sabe como ser discreto, entende minha vontade de curtir a liberdade quando posso. Ele está comigo desde que a "fama" começou a surgir. Somos mais que patrão e empregado: somos amigos.

Encerro a ligação e jogo-me na cama do hotel respirando pesadamente. Minha ideia de vir para o Brasil era trabalhar somente no concurso e tirar o restante do tempo para relaxar, mas Vic tinha que arrumar algum outro evento para tirar meu sossego. Em uma hora tenho uma reunião, um dos patrocinadores do Talento Top Model quer que eu seja o garoto propaganda da sua marca. As fotos seriam feitas por esses dias, mas utilizadas apenas no projeto que será lançado ano que vem.

Sempre gostei desse meio da moda, quando era pequeno vivia me perdendo entre as araras dos camarins, mas nunca pelas passarelas de fato. Só que como as luzes sempre se voltavam para o todo-poderoso Ronald, alguns feixes respingaram em mim, ele viu a oportunidade de lucrar muito e do nada deixei de ser o garoto que observava para se tornar o garoto que é observado.

Meu pai sabia que não era isso que eu queria, mesmo assim insistiu na profissão. Como sempre, acabei cedendo pelo simples fato de não querer desencadear uma discussão sem nexo e completamente cansativa. O problema é que não sei como sair disso. Meu objetivo é abrir minha própria agência, quero que a matriz seja aqui em Curitiba, cidade que minha mãe tanto amava e que me fez amar também.

Resolvo deixar de lado os arrependimentos ou projetos futuros e vou me arrumar. Não quero minha agente surtando por eu ter perdido um compromisso tão importante para a minha carreira.

***

Consigo me livrar da reunião com o contratante na metade da tarde, Vic participou por chamada de vídeo, já que a parte burocrática é com ela, eu só participo para não deixar que a carrasca extrapole meus próprios limites, porque se tem um detalhe na personalidade da baixinha carrancuda que se destaca é a falta do senso de espaço.

Saio para o calçadão e sigo a pé. Isaac está ao meu lado, vestido despojadamente, parecendo mais com um colega do que com o responsável pela minha segurança.

Sei que sou conhecido, que estou em evidência no momento e blá-blá-blá, mas nada que um boné ou óculos escuros não resolva. As pessoas podem até me achar parecido com o modelo incrivelmente bonito Iago Vilella – palavras de uma revista que li esses tempos – só que são raras as vezes em que alguém chega perto para perguntar. Na cabeça deles deve ser o cúmulo algum famoso andar pelas ruas livremente, e é essa ideologia que não consigo entender. Todos os dias tento pensar em como dar um fim nessa carreira que me impede de ser eu mesmo, não é ingratidão, é só cansaço por encenar ter uma felicidade que não existe. Quero ser normal, não quero mais ficar pesando as consequências que uma foto na primeira página do jornal pode causar a minha reputação.

A frase que meu pai repete sempre que tem oportunidade, é sussurrada sem permissão na minha consciência.

Você não é normal, Iago. É muito mais que isso. Somos exemplos de alcance, superação e esperança, filho. Apenas aceite.

Ronald tem para ele esse lema porque veio de família humilde, cresceu em meio a drogas, prostituição e mesmo assim atingiu um patamar alto. Porém, meu pai usa seu status para se vangloriar ao invés de ajudar. Ele melhor que ninguém sabe como é não ter oportunidade de mostrar seu talento, seu potencial.

Doce Tentação (Degustação) Onde histórias criam vida. Descubra agora