ANA

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Rosa estranhou quando dona Dulce, sua sogra,  veio visitá-la à noite, trazendo pela mão aquela mocinha morena, alta, magra e tão bonita que mais parecia modelo fotográfico. Dona Dulce não costumava ser invasiva nem agir com impulsividade. Ao contrário, era uma senhorinha muito reservada e sempre pronta a ajudar quando era solicitada. Mas, especialmente naquele momento, a sogra mostrava-se meio constrangida. Fez sinal para que a moça esperasse um minuto na sala e levou Rosa até o quarto para conversar.

- Querida, preciso muito de um favor. Essa moça aí, a Ana, precisa muito trabalhar. Beto me contou que você também estava precisando de alguém pra te ajudar na casa enquanto você ainda está se recuperando do... bem... você sabe. – A senhora baixou os olhos e ficou em silêncio.

- Ela é sua conhecida?- Rosa perguntou por perguntar. 

- Na verdade, não muito. Mas quem me recomendou é alguém de minha total confiança.

- Bom... eu acho que não preciso... Beto é que está insistindo com isso...

- Só por uns tempinhos, querida. Até você ficar mais fortinha, mal saiu do hospital. Eu tento ajudar, mas acho que você precisa de uma pessoa mais disponível nesse momento.

Rosa mordeu o lábio e respirou fundo. O hospital, a hemorragia, a perda do bebê. O terceiro aborto espontâneo em dois anos. Dessa vez havia passado muito mal. Sentia-se fraca e desanimada. Talvez a falta de força para viver fosse a pior consequência. Vivia jogada na cama. Beto tinha razão. Não tinha vontade nenhuma de trabalhar, nem cuidar da casa, nem comer. Só queria dormir, noite e dia.

- Sim, está bem. Se a senhora também acha...

- Acho, sim, querida. E não se preocupe porque vou pedir ao Beto que resolva essa questão de salário com ela.

Quando voltaram para a sala, a moça estava sentada na ponta do sofá, as mãos juntas entre os joelhos e os ombros curvados. Levantou-se e esperou que lhe dissessem algo.

- Ana, essa é a Rosa. Espero que vocês duas se deem bem. Você começa amanhã. – Dulce falou com carinho, pondo as mãos nos ombros das mulheres como se as abraçasse, selando aquele acordo.

- Que bom! – A moça sorriu. - A senhora não vai ter nenhuma reclamação de mim. Eu sei fazer tudo dentro de casa, até cozinhar. – A voz da moça era tão bonita quanto ela.

Rosa sorriu, meio sem graça. Não estava interessada em nada daquilo. Atividades domésticas nem pareciam existir para ela. Na verdade, naquele momento, gostaria imensamente que as duas fossem embora pois queria muito voltar para a cama e dormir, embora fossem apenas sete horas da noite.

- Você já comeu, querida? – Dulce perguntou à Rosa, subitamente, lembrando-se da sopinha que havia trazido na hora do almoço. – Precisa se alimentar.

Rosa balançou a cabeça afirmativamente. Foi o único alimento que ingeriu durante o dia inteiro. E agora que a sogra havia lhe lembrado até tomaria um pouquinho mais, porém não tinha disposição para esquentar o prato. Parecia um trabalho tremendamente desgastante aquecer a refeição e depois comê-la. Também daria trabalho pedir que fizessem isso pra ela. Não, melhor ir dormir mesmo...

- Tomou seus remédios direitinho?

Rosa fez que sim. Beto programou o alarme do celular para avisá-la dos horários. Rosa olhou para aporta do quarto, de soslaio. Queria tanto voltar pra lá. Por que elas não iam logo embora dali? Ana poderia vir amanhã e cuidar do que ela quisesse. Tudo bem. Dona Dulce pareceu entender seu desejo e saiu em seguida, levando a moça consigo. Rosa fechou a porta e voltou cambaleante para o quarto.

Paz, finalmente.

Ah, essas rosas...Where stories live. Discover now