Nos dias seguintes, a disposição de Rosa parecia aumentar gradativamente. Tinha ânimo para levantar-se pela manhã e alimentava-se melhor. A medicação prescrita já fazia efeito. Tanto que ela já começava a sentir falta de sair um pouco de casa, de ir para o trabalho, de encontrar os amigos. Aos poucos, a vida parecia voltar ao normal.
- Seu marido disse que foi a senhora que pintou todos esses quadros! - Ana disse, de repente, enquanto limpava a sala. - São bonitos! A senhora é uma artista.
- Obrigada. - Rosa sorriu. - São da época da faculdade.
- Por que a senhora não pinta um quadro agora? Ia se distrair.
- Posso te pedir um favor?
- Claro. - Ana parou com a vassoura na mão, esperando o pedido.
- Queria que me chamasse de você. É tão estranho ser chamada de senhora.
- Ah, desculpa. Não queria dizer que a senhora... você é velha. É porque é a patroa.
- Senhora... patroa... não sei o que é pior. - Rosa brincou. - É muito estranho. Eu tenho 23 anos e fico me sentindo uma velha.
As duas riram. Ana continuou a varrer o chão. Rosa olhava a moça de soslaio.
-Quantos anos você tem?
- Dezessete.
- Só isso?!
- Só. Pareço mais velha, né?! Todo mundo fala isso.
- Você estuda ainda?
- Estudava. Mas eu tive que sair da escola.
- Por quê?
Ana ficou em silêncio, olhando para o chão que varria agora com rapidez.
- Não quer me contar? Tudo bem...
- É que...- Ana parou a vassoura e ficou olhando para o além. - É que eu tô grávida.
- Grávida? - Rosa foi pega de surpresa. - Grávida?
- Eu não falei porque a senhora, quer dizer, você... bem, acabou de sofrer um aborto e bem... também tive medo de você não me querer aqui se soubesse.
- Grávida... - Rosa repetiu baixinho.
- Desculpa não ter falado antes.
- Tudo bem, Ana. - Sorriu. - Mas você é tão jovem! E o rapaz? Quer dizer, o pai do seu filho... é seu marido, namorado?
- Não. Nem uma coisa nem outra. Mas ele está me ajudando. Tudo bem.
- Não foi uma gravidez planejada...
- Mais ou menos...
-Quantos meses?
- Três.
- Eu também estaria com três meses se ainda estivesse grávida.
- Depois tenta de novo.
- Talvez...
A conversa foi interrompida pelo toque do interfone. Ana foi logo atender. Era para ela mesmo. Sua mãe estava na portaria e precisava muito lhe falar.
- Claro, pode ir. - Rosa disse. - pode pedir que ela suba também. Vão conversar melhor aqui.
- Não, não. Obrigada. Vou descer, é rapidinho.
Rosa chegou até a janela e viu, no portão, uma mulher aparentemente jovem, esperando no portão do prédio. Era alta e magra, cabelos longos e escuros. Rosa observou que Ana e a mãe tinham muita semelhança física. As duas conversaram por alguns minutos através das grades e depois despediram-se, seguindo cada uma seu caminho. Mas assim que a moça entrou no apartamento, Rosa verificou que ela séria, aparentemente preocupada. Retomou a limpeza da casa, varrendo o chão com força além da necessária.
- Tudo bem com sua mãe? - Rosa perguntou meio em dúvida se deveria ou não falar sobre o assunto. - Ela está bem?
- Ah, minha mãe e meu padrasto não estão muito bem. Uma situação confusa. Deixa pra lá!
Naquele dia, Ana não cantou em nenhum momento. Rosa até sentiu falta de ouvir a voz melodiosa da moça.
