Capítulo 1 - Um Bar em Poço-Cavalo

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     Logo ao horizonte, com a ligeira, mas satisfatória precipitação do orvalho no velho pé de mandacaru, o sol ardente se despedia da terra seca e poeirenta de Poço-Cavalo. Do alto da Serra-da-Jararaca, era possível ver não mais que cinquenta e cinco casas de taipa, arranjados assimetricamente pelos relevos quebradiços e pelos capins secos que beiravam as estradas de terra entre elas. E as largas cisternas de barro que guardava a não tão doce água, eram contempladas. Juntamente com o frescor do ar originado da recente chuva que abençoara o sofrido sertão nordestino.

- Candê?! Arreda o facho daí cabra safado! Já vai pá lá de oito hora e você ainda ta dormindo. – Diz em um tom nem tanto amigável Juvenço.

- Hãn, o que? O que foi? – Ergue a cabeça lentamente da mesa do pequenino bar de madeira, Candê – Ah... O que é que tu quer hômi? Me deixe dormir.

- Vem cá, chegue pá cá, deixa conta um sigrêdo no pé do zuvido...

- Tem vergonha na fuça não, seu mizeravi?! – Candê, um jovem com seus vinte um ano e com estatura de galo de briga com fome, é quase arremessado da mesa em que estava delicadamente dormindo por tempo indeterminado.

- Vergonha? Tenho! Deixa eu encontrar aqui... – Fuça os seus bolsos do molambo marrom que ele carinhosamente chama de calça.

- Candê...

- Pera! Tô quase achando... – Alterna entre as pernas procurando nos bolsos.

- Candê!!!

- Pera...

- Chega, chega, não precisa mais não! – Se irrita Juvenço, que volta para trás do balcão do barzinho.

- Se insisti, não vai ser eu que irei fazer essa disfeita a você meu cûmpadi... desce uma dessa cachaça aí Juvenço.

- E por que eu deveria? – Segura a garrafa meio inclinada.

- A pergunta é: E por que não? – Retruca com um olhar de segurança, na fútil tentativa de inclinar mais a garrafa.

- Sabe que eu só sirvo fiado para duas ocasiões, em chuvas de para lá de três dias e aniversários. - Retira a garrafa do alcance de Candê, irritado Juvenço.

- Então hoje é o meu dia de sorte, pense bem Juvenço... A chuva não foi pra lá de três dias, mas sim de uma tarde, o que vale por meio copo. E como no dia de hoje faz um ano que não chuvia, então é o aniversário de chuva na cidade de Poço-Cavalo. Então, mais meio copo para a conta! O que me dá, pelos meus calculus, um copo!

- E aniversário de chuva vale? - Resmunga Juvenço, um tanto confuso.

- Não sei, a regra é tua, então deve valer.

- Então pegue essa logo. Mas óia bem, só uma! – Juvenço balança o dedo indicador para o jovem, enquanto se direciona para a janela.

- E alguma vez já lhe passei a perna? – Diz abaixando o tom da voz, ao ponto em que vira consecutivamente a garrafa e o copo na boca.

- Juvenço, acho que vou pega o beco para a pracinha, a festa do município vai acontecer daqui a pouco.

- É... talvez eu fecho mais cedo, o movimento ta pouco.

- Então vou pegar rapidinho meu chapéu e correr para a pracinha, talvez eu até arranje um par-de-carça por lá.

- Você?! - Juvenço dá risada.

- Está mangando né? Mas se esquece que quem salvou a cidade fui eu! – Se irrita com as risadas.

- É mesmo herói de novela? E quanto tempo faz isso mesmo? Aposto cinco Tostões que nem o padre lembra mais quem é você. Só fica pelos bares comendo e bebendo de graça.

- Em que ano estamos? – Questiona Candê, sem dar muita importância para a Juvenço.

- Eu sei lá, acho que na metade 1940. - responde pensativo o dono do Bar.

- É, então faz exatamente um ano. – Responde com firmeza.

- Como pode ter tanta certeza, não lembra nem o que era a bóia que filou hoje.

- Lembro que fez um sol desgraçado de quente o dia to... – Candê interrompe a fala, olhando para Juvenço.

- Um ano... sol o dia todo... Sol o dia todo?! – Apanha uma garrada de Rum vazia e avança em Candê.

    Antes que Juvenço realizasse o seu momento de raiva e Candê fingisse brilhantemente não entender a situação, a porta de madeira é esmurrada três vezes. Já na quarta batida, um homem de capa e botas de couro pisa no chão recém limpo.

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