Prólogo

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Depois de colocar o último frasco de ervas secas na prateleira de medicamentos e verificar a lista para ter certeza de que não havia me esquecido de nada, voltei para a mesa e comecei a listar as ervas de inverno que teríamos disponíveis em alguns dias, pouco antes da neve começar a cair. Olhei pela janela o sol descendo no horizonte e suspirei, sorrindo como uma boba ao pensar que em alguns minutos estaria em casa.

Aquele tinha sido um dia particularmente bom, sem muitos bruxos e bruxas para remendar em minha sala. Júlia, minha mãe e Maddox, meu pai, estavam passando alguns dias fora do Vale, aproveitando um tempo juntos, matando a saudade de anos separados. Eles haviam deixado o Vale nas mãos de Adar e Gwyndion durante aqueles dias, mas quem estava resolvendo quase todos os problemas como um teste era Ceiran, pois logo ele, e não Gwyn, seria o líder do clã Cyfar. Sentia até pena dele, pois quando chegava em casa ao anoitecer, estava cansado de tentar resolver brigas, que agora com as Sorcys de volta ao vale e com o espaço reduzido, dobraram.

Me espreguicei, esticando os pés sobre a mesa e olhei novamente pela janela das duas novatas que estavam do outro lado do lago agora, ajudando um grupo de bruxos a empilhar as ferramentas de construção. O chalé que elas viveriam estava quase pronto, no dia seguinte colocariam o telhado e os móveis que ficaram por ser confeccionados por outro grupo seriam levados para lá. Elas pareciam estar se adaptando bem mesmo depois de tudo que passaram para chegar aqui. Porém o que me matava de curiosidade, era ver o novo ritual de marcação que elas passariam em alguns dias. De acordo com a explicação de Rajina, Cyfars de luz e sombras, o novo ritual seria conduzido tanto por Mardans quando por Sorcys.

Talvez eu precisasse participar, pois Maddox não tinha dia para chegar. Isso me lembrou do outro assunto que seria discutido quando meus pais voltassem, sobre a ocupação do palácio das Sorcys na montanha do Caos, que desde a morte de Breedja, estava desocupado, apenas vigiado por bruxas em suas rondas semanais, pois lá existiam minas de pedras preciosas capazes de reter magia, isso atraía atenção demais para um local agora sem ocupação.

Quando o sol se pôs totalmente, terminei de organizar a mesa e as listas para o dia seguinte e saí da sala de cura, trancando a porta e subindo as escadas do salão já lotado para o jantar. Alguns me cumprimentaram quando passei, outros, mal olhavam para longe de seus pratos com medo de perder as toras de carne banhadas em molho. Mesmo depois de um ano, aquela guerra no jantar, agora com algumas Sorcys corajosas os acompanhando, ainda era uma cena assustadora para mim.

― Não vai jantar no salão hoje, Ellyn? ― Ayres perguntou, sacudindo uma coxa de frango assado em minha direção.

― Fiquei de fazer o jantar em casa hoje! Ainda tenho visitas! ― brinquei ― Talvez amanhã! ― pelo olhar malicioso da bruxa e a forma que ela moveu as sobrancelhas para mim, ela sabia que eu não estava indo só para fazer o jantar, meu rosto queimou.

Torcia para que o chalé ficasse pronto no dia seguinte.

― Boa noite, então! ― A bruxa sorriu, pegando a caneca de vinho de seu marido, Narun, que não protestou aquilo, apenas sorriu para ela com diversão.

Saí pelas portas do grande salão, andando rapidamente até a casa do outro lado do lago, quase agarrada as pedras da montanha. O vento gelado e úmido denunciava que em muito em breve, talvez durante a madrugada seguinte a neve chegaria, o Vale inteiro pararia durante alguns dias e nós veríamos mais famílias brincando no gelo. Não sabia como tinha vivido tanto tempo longe daquele lugar, agora era doloroso ter que sair do vale mesmo que por alguns dias. Ajeitei o manto sobre os ombros enquanto dava os últimos passos até a casa e entrei.

O calor da lareira me recebeu como um abraço quente quando bati a porta atrás de mim e joguei o manto no suporte atrás da porta. As lamparinas da cozinha estavam acesas e o cheiro da comida perfumava toda a casa. As duas ainda não tinham chegado, talvez tivessem acompanhado as mulheres para a cozinha do salão. Me aproximei de Ceiran e passei um braço ao seu redor, ficando nas pontas dos pés, tirando a trança ruiva do caminho para beijar seu pescoço.

― Que prendado! Fazendo o jantar! ― sussurrei contra sua pele, inspirando fundo e o apertando mais.

― Veio correndo para casa? Achei que fosse terminar antes que você chegasse! Não conseguiu aguentar ficar sem me ver mais um pouco? ― Ele não perdia a oportunidade de implicar. Ceiran tampou o ensopado novamente e se virou para enrolar os dedos em meus cabelos e me beijar de forma que fez tudo em mim esquecer o frio lá fora.

― Achei que minha raposinha ia estar com fome, vim depressa para fazer o jantar dela. ― brinquei, porém, o sorriso de Ceiran não foi tão divertido quanto o de costume. ― Algo errado? ― passei os dedos em seu rosto, os olhos cor de mel estavam cálidos como sempre, mas preocupação também brilhava ali.

― Júlia mandou Chu hoje cedo com um recado para Adar, Gwyndion e para mim. ― Ele murmurou, fechando os dedos em minha cintura.

― E qual era o recado? ― perguntei. Ceiran suspirou e me apertou nos braços.

― Talvez amanhã cedo eles estarão de volta... e que os feiticeiros de Grisath, do continente Sul estão prestes a formar uma aliança com Draken, pois souberam da aliança renovada e dos Cyfars. Com o rompimento da Aliança de Alendal e Dracken... uma aliança dos dragões e feiticeiros é provável. Eles estão se aliando aos dragões para tentar tomar a montanha do Caos e o Vale da Lua. ― explicou.

Meu sangue gelou. Sabia o que aquilo significava.

Uma guerra entre nós, e um clã de feiticeiros do outro lado do mar, aliados aos dragões do reino flutuante de Draken. Fechei os olhos e respirei fundo, mal podia pensar na devastação que uma guerra como aquela causaria, tudo por territórios já habitados.

― A cadeia das montanhas ao redor da Montanha do Caos, nosso território, é uma mina de pedras preciosas que absorvem magia. Eles pensam que com a morte de Breedja e das Matriarcas, o clã se uniu por estar enfraquecido sem as barreiras completas.

― Não há o que possamos fazer para evitar? ― minha garganta estava bloqueada por um nó.

― Sem três sacerdotisas e as barreiras incompletas... só um milagre pode os impedir de querer atacar. ― Ceiran sussurrou, beijando a base de meu pescoço. ― Não sabemos como será o ritual e se a magia delas conseguirá completar as barreiras.

Maddox e Julia já haviam falado sobre aquilo. Só eu como sacerdotisa Mardam não conseguia manter as barreiras de proteção do Vale e naquele um ano depois da morte das três, ainda não havia nascido nenhuma menina Mardam. O Vale estava desprotegido... e não podíamos pedir a elas para se arriscarem por nós. Aquelas bruxinhas mal nos conheciam.

Naquele momento, fechei os olhos e pedi por um milagre aos deuses. Não importava a forma que ele tivesse.

O espelho negro de Dracken - duologia Cyfar - livro 2 (degustação)Where stories live. Discover now