Cada momento no navio se tornava mais exaustivo. Todas as madrugadas, a princesa vagava pelos corredores escuros e sombrios até que, certa noite, encontrou um lugar na ala superior, onde podia ficar sozinha, olhando o mar. Em alguns dias, chegava a ver o nascer do sol.
Aquele era o lugar só dela, onde, solitária, sentava-se e sentia o vento esvoaçante nos cabelos alaranjados. Era incrível como seus irmãos tinham cabelos escuros, pele clara e sardas, enquanto ela nascera ruiva e cheia de sardas. Muitos desconfiavam da fidelidade de sua mãe, acreditando que ela fosse fruto de uma traição. Mas não!
Sua avó, Avice, mãe de seu pai, era ruiva e tinha olhos profundamente azuis; seu pai sempre dizia que a semelhança entre as duas era indescritível.
Era por volta das dez horas da noite quando Léa preparou o banho da princesa e deixou sua camisola sobre a cama. Mas Avice, impaciente, ao ver tudo pronto, virou-se e saiu do quarto. Não queria ajuda; sentia-se desrespeitada. A ordem era clara: ela faria isso sozinha.
Léa correu atrás dela, mas Avice se virou rapidamente e disse:
— Léa, aproveite meu banho. Não volto tão cedo. Quero ficar sozinha, olhando as estrelas.
E saiu.
Caminhando até seu lugar favorito, ela olhou para o céu e avistou a constelação de Órion. Com certeza o próximo dia seria ensolarado, pois as estrelas estavam nítidas.
Ela subiu até a ala superior do navio e sentou-se na borda, onde o medo era desconhecido. Gostava da sensação de liberdade, da adrenalina nas veias, do vento bagunçando seus cabelos. Era um sentimento inexplicável, como se pudesse ser quem quisesse, sem ordens, sem príncipes, sem acordos. Naquele momento, era apenas Avice — sem títulos, sem guardas.
Às vezes, pensar no casamento a assustava, pois não era o que queria. Mas, mesmo decidida, sabia que aquela era a melhor chance, não para si, mas para seus pais e seu povo.
Fechou os olhos e sentiu o balanço do navio. Seu corpo parecia um pequeno grão diante daquele mar infinito.
— PRINCESA! — alguém gritou por trás.
Assustada, soltou a borda, e, quando sentiu seu corpo quase ser engolido pelo mar, uma mão firme a puxou.
— O que você estava fazendo, princesa? Estava tentando se suicidar? — Thomaz questionou, furioso.
Mas seu tom não a intimidava. Avice era impulsiva e destemida, e responder de forma incisiva era com ela mesma.
— Céus! Acha que eu acabaria com a minha vida? Guarda, eu tenho um dever e não posso simplesmente abrir mão de tudo.
— Então o que fazia sentada na borda do navio? Não sabe que é perigoso?
— Conheço os perigos em que me coloco, Thomaz. E, sendo perigoso ou não, não é da sua conta — ela o encarou.
— Eu salvei sua vida! — ele insistiu, deixando-a ainda mais irritada.
— Obrigada por me salvar, agora volte ao seu posto e deixe-me em paz. E, para ser clara, eu não estava em perigo.
— Não estava? — ele disse, com um tom calmo. — Só voltarei quando tiver certeza de que está segura.
Avice fervia por dentro. Onde já se viu, tamanha teimosia para um soldado que deveria obedecê-la!
— Sei me cuidar. Acha mesmo que preciso de um guarda para me defender?
Ele lhe entregou uma espada e pegou outra.
— O que está fazendo? — perguntou, perplexa.
— Lute comigo.
De início, Avice achou que fosse brincadeira, mas, ao ver sua expressão séria, entendeu que era um desafio real.
— Como vou lutar com você? É um homem!
— De onde venho, até as mulheres sabem lutar — ele respondeu, desafiador.
— Certamente você não é do meu reino — ela abaixou a espada. — Está maluco.
— Sou sim, princesa, sou de Campbell. Talvez seja você quem não conhece seu povo — ele provocou. — Uma delinquente, como imaginei.
— Suas palavras ofensivas não me desmotivam. A propósito, um guarda não deve falar assim com sua majestade.
Thomaz ergueu a espada, ignorando as palavras dela.
— Vamos, lute comigo.
Avice levantou a espada. Não mostraria fraqueza; nunca fugia de desafios, e afinal, tinha tido aulas de defesa, embora esparsas.
Ele atacou, e ela bloqueou. O som das espadas ecoava, deixando-a ainda mais furiosa. Apesar de ser um guarda designado para protegê-la, parecia querer desafiá-la.
Em um momento de distração, Thomaz a derrubou e posicionou a lâmina sobre sua clavícula. Sentiu o suor frio escorrer pela pele enquanto ele a encarava, vitorioso.
Por um instante, seus olhares se fixaram, e, quando Avice recuperou a consciência, deu-lhe uma rasteira, colocou o peso do corpo sobre ele, empunhou a espada e, com autoridade, ordenou:
— Renda-se, Thomaz Righ.
. . .
Dias antes
Thomaz fazia a ronda quando ouviu ruídos na ala leste. Procurou até encontrar Léa chamando pela princesa. Ele foi atrás dela para avisá-la, embora, em sua opinião, a princesa não passasse de uma menina insolente e mimada.
Chegando à ala real, sentiu-se ainda mais injustiçado. Nunca tivera o privilégio de segurar um candelabro de ouro, e ali havia vários.
Ao bater à porta e não obter resposta, abriu-a, encontrando a princesa em frente ao espelho, falando sozinha. Ele quase riu, mas respirou fundo, achando que talvez estivesse sendo precipitado em julgá-la.
— Princesa?
. . .
Naquela noite, quando saiu do quarto, percebeu que ela era diferente da hierarquia de Campbell. Seu pai era um homem ríspido, e a rainha, uma figura sem voz. Thomaz não queria, mas começou a se questionar: talvez Avice realmente fosse diferente.
Durante sua ronda, viu uma luz na cozinha. Avice saía, carregando uma bandeja e um castiçal. Ao se aproximar, viu que eram bolinhos. Riu em pensamento: quem sai de madrugada para roubar bolinhos?
. . .
Atualmente
Normalmente, Thomaz fazia rondas de madrugada. Notara que quase todas as noites a princesa saía escondida, não apenas para roubar bolinhos, mas para contemplar o mar.
Mesmo sendo linda e atraente, seu destino não lhe permitia distrações. Ele lembrava de seu povo e de que proteger a princesa era uma obrigação que, em breve, gostaria de deixar para trás.
Ao vê-la sentada na borda do navio, inclinada, sentiu medo, embora o orgulho lhe dissesse que Avice não deveria significar nada para ele. Ainda assim, quando o navio balançou, ele gritou e correu para segurá-la. Sentiu alívio ao vê-la viva, mas o alívio logo se transformou em irritação ao ser ordenado a se retirar.
Determinado a provar que sua companhia era necessária, a desafiou. A jovem geniosa o encarou com raiva, mas ergueu a espada, pronta para o confronto. Durante a luta, Thomaz deixou-se levar por lembranças de tudo que o fazia estar naquele navio. Em um golpe preciso, conseguiu derrubá-la.
O tempo parou. Ele perdeu-se na imensidão dos olhos azuis dela, comparando suas sardas a constelações de estrelas. A beleza dela o desarmou.
— Renda-se, Thomaz Righ.
— Eu me rendo.
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A princesa prometida
FantasiAvice, desde pequena, sempre soube que seu destino estava longe de ser seu. O dever para com o reino vinha antes de qualquer anseio pessoal, e o casamento arranjado era apenas mais uma peça no tabuleiro da política. A cada lição, ela internalizava q...