À frente do espelho, Avice divertia-se com a própria imagem refletida. Era quase oito da noite, e logo Léa viria ajudá-la a se arrumar. Movendo-se levemente, com uma expressão bem-humorada, ela disse para si mesma:
— Eu sou Avice Campbell, e não vou me casar com um estranho!
— Princesa — uma voz grave invadiu os ouvidos da jovem, despertando-a de seus devaneios.
Avice virou-se rapidamente, pegando uma espada que repousava ao lado do espelho. Sentiu-se imediatamente envergonhada ao perceber que quem estava à porta era um de seus soldados, que se mantinha numa postura reverente. Ele era impossível de ignorar: seus olhos escuros, a pele clara e os cabelos bagunçados davam a ele um ar despretensiosamente encantador.
Tentando parecer séria, Avice ajustou a postura e falou:
— O que deseja? — abaixou a espada levemente, percebendo que não havia perigo real. — E por que entrou em meu quarto sem permissão?
— Senhorita Léa não está se sentindo bem — ele coçou a nuca, parecendo incerto. — Bati na porta, mas... Vossa Majestade parecia ocupada conversando com o reflexo.
Avice se sentiu ainda mais tola, sabendo que ele tinha presenciado sua pequena encenação. Deixou a espada de lado, alisou o vestido verde esmeralda que vestia e deu um breve sorriso.
— Onde ela está?
— Na ala dos empregados.
— Leve-me até ela.
— Às suas ordens, princesa — ele respondeu com uma reverência.
Caminharam juntos até a ala leste do navio, Avice tentando agir naturalmente, enquanto o soldado mantinha-se calmo, como se a presença de uma princesa ao seu lado fosse o mais corriqueiro dos eventos. Ela estranhou a serenidade dele; diferente de outros homens que ficavam desconcertados na sua presença, ele parecia imune ao seu título e à sua beleza.
— Obrigada, soldado — disse educadamente quando chegaram ao quarto de Léa.
A princesa observou o uniforme do jovem, notando a ausência de qualquer identificação.
— Como se chama? — perguntou.
— Pode me chamar de Righ — respondeu ele, sem muita cerimônia.
— Esse é seu nome?
— Sobrenome, majestade.
— E o primeiro nome?
— Thomaz — respondeu ele, um pouco sem graça.
— Certo, soldado Thomaz. Tenho sua permissão para chamá-lo assim?
— É claro, princesa.
— Então me chame de Avice, apenas Avice.
— A senhorita não gosta de ser chamada de princesa?
— Prefiro ser chamada pelo meu nome. Faz-me sentir mais... normal.
Quando entraram no quarto, encontraram Léa pálida. Avice correu até ela, sentando-se ao seu lado e acariciando o rosto da amiga.
— Avice... — murmurou Léa.
— Não diga nada, apenas descanse — disse Avice. Virou-se para Thomaz. — Percebi que essa ala balança muito mais que a do meu quarto.
— Sim, é a área que mais sente o balanço do navio.
— Isso deve estar causando o mal-estar. Ajude-me a levá-la para meu quarto.
Sem hesitar, Thomaz carregou Léa até o aposento da princesa e a acomodou gentilmente na cama.
— Muito obrigada, Thomaz. Já pode se retirar.
Quando ele estava prestes a fechar a porta, Avice o chamou:
— Espere!
Ele parou e a encarou.
— Você é um dos soldados responsáveis por minha segurança?
— Não, sou apenas um guarda da ronda. Ouvi Léa pedir ajuda e achei melhor vir avisá-la.
— Ela estava delirando?
— Mais ou menos. Ela dizia "preciso ajudar a princesa", então decidi que o melhor era que viesse até ela, já que não tinha condições de vir até você.
— Obrigada pela preocupação. Boa noite, soldado.
— Boa noite, Avice — ele respondeu, com uma expressão séria e respeitosa.
Após a saída de Thomaz, Avice olhou para Léa, que agora vestia uma camisola de seda e estava com os cabelos presos delicadamente. Avice sentiu-se feliz por poder retribuir, ainda que de forma singela, o carinho e a ajuda que sua amiga sempre lhe dava.
Depois de um banho demorado, encontrou Léa já em pé, confusa com a situação.
— Léa, deite-se. Você precisa descansar.
— Princesa, estou bem! Mas o que faço em seus aposentos? E quem me vestiu?
— Você estava se sentindo mal. Um soldado que fazia a ronda veio me avisar. Achei que o balanço do navio poderia ser a causa do seu mal-estar, então pedi para que a trouxesse para cá.
Léa sorriu, cedendo ao cuidado da princesa.
Naquela noite, as duas conversaram e riram até tarde. No entanto, a certa altura, Avice parecia distante, perdida em pensamentos. Léa notou e balançou a mão diante de seu rosto:
— Em que pensa, Avice?
— Hum... estava pensando em... bolinhos! Vou até a cozinha.
— Eu posso ir buscar para você — Léa ofereceu, sorrindo travessa.
— Não precisa. Neste navio, não há nada que eu mesma não possa fazer.
Colocando um roupão e segurando um castiçal, Avice saiu em busca dos doces bolinhos. Quando estava voltando, subindo as escadas às pressas com sua bandeja, esbarrou em alguém.
— Princesa, o que faz vagando sozinha? — Era Thomaz, o mesmo soldado, com aquele olhar penetrante que lhe tirava o fôlego.
— Você estava me seguindo? — perguntou ela, tentando disfarçar o embaraço.
— Eu estava fazendo minha ronda — explicou ele, com firmeza. — Mas... você arrisca sua segurança por causa de bolinhos?
— Você não manda em mim!
— A guarda real é responsável por sua segurança até Guersi. Isso me obriga a cuidar de você.
— Posso ir agora? — perguntou ela, irritada.
— Pode — ele respondeu, também em tom firme.
Avice voltou para o quarto, sentindo o olhar dele em suas costas. Ao entrar, Léa sorriu, percebendo algo que a própria Avice mal ousava admitir.
— Não foi ele quem te trouxe até aqui? — perguntou Léa.
— Sim, mas agora ele se mostra inconveniente.
— Está apenas cumprindo seu dever.
— De que lado você está? — riu Avice.
— Do seu, princesa — respondeu Léa, com um sorriso de cumplicidade.
Ainda que relutante, Avice sentia-se cada vez mais intrigada pelo misterioso Thomaz. O que havia naquele soldado, tão bonito e ao mesmo tempo tão distante? Ela ainda não sabia, mas a cada encontro com ele, uma única palavra começava a ecoar em sua mente: ruína.
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A princesa prometida
FantasíaAvice, desde pequena, sempre soube que seu destino estava longe de ser seu. O dever para com o reino vinha antes de qualquer anseio pessoal, e o casamento arranjado era apenas mais uma peça no tabuleiro da política. A cada lição, ela internalizava q...