Capítulo dois

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À frente do espelho, Avice divertia-se com a própria imagem refletida. Era quase oito da noite, e logo Léa viria ajudá-la a se arrumar. Movendo-se levemente, com uma expressão bem-humorada, ela disse para si mesma:

— Eu sou Avice Campbell, e não vou me casar com um estranho!

— Princesa — uma voz grave invadiu os ouvidos da jovem, despertando-a de seus devaneios.

Avice virou-se rapidamente, pegando uma espada que repousava ao lado do espelho. Sentiu-se imediatamente envergonhada ao perceber que quem estava à porta era um de seus soldados, que se mantinha numa postura reverente. Ele era impossível de ignorar: seus olhos escuros, a pele clara e os cabelos bagunçados davam a ele um ar despretensiosamente encantador.

Tentando parecer séria, Avice ajustou a postura e falou:

— O que deseja? — abaixou a espada levemente, percebendo que não havia perigo real. — E por que entrou em meu quarto sem permissão?

— Senhorita Léa não está se sentindo bem — ele coçou a nuca, parecendo incerto. — Bati na porta, mas... Vossa Majestade parecia ocupada conversando com o reflexo.

Avice se sentiu ainda mais tola, sabendo que ele tinha presenciado sua pequena encenação. Deixou a espada de lado, alisou o vestido verde esmeralda que vestia e deu um breve sorriso.

— Onde ela está?

— Na ala dos empregados.

— Leve-me até ela.

— Às suas ordens, princesa — ele respondeu com uma reverência.

Caminharam juntos até a ala leste do navio, Avice tentando agir naturalmente, enquanto o soldado mantinha-se calmo, como se a presença de uma princesa ao seu lado fosse o mais corriqueiro dos eventos. Ela estranhou a serenidade dele; diferente de outros homens que ficavam desconcertados na sua presença, ele parecia imune ao seu título e à sua beleza.

— Obrigada, soldado — disse educadamente quando chegaram ao quarto de Léa.

A princesa observou o uniforme do jovem, notando a ausência de qualquer identificação.

— Como se chama? — perguntou.

— Pode me chamar de Righ — respondeu ele, sem muita cerimônia.

— Esse é seu nome?

— Sobrenome, majestade.

— E o primeiro nome?

— Thomaz — respondeu ele, um pouco sem graça.

— Certo, soldado Thomaz. Tenho sua permissão para chamá-lo assim?

— É claro, princesa.

— Então me chame de Avice, apenas Avice.

— A senhorita não gosta de ser chamada de princesa?

— Prefiro ser chamada pelo meu nome. Faz-me sentir mais... normal.

Quando entraram no quarto, encontraram Léa pálida. Avice correu até ela, sentando-se ao seu lado e acariciando o rosto da amiga.

— Avice... — murmurou Léa.

— Não diga nada, apenas descanse — disse Avice. Virou-se para Thomaz. — Percebi que essa ala balança muito mais que a do meu quarto.

— Sim, é a área que mais sente o balanço do navio.

— Isso deve estar causando o mal-estar. Ajude-me a levá-la para meu quarto.

Sem hesitar, Thomaz carregou Léa até o aposento da princesa e a acomodou gentilmente na cama.

— Muito obrigada, Thomaz. Já pode se retirar.

Quando ele estava prestes a fechar a porta, Avice o chamou:

— Espere!

Ele parou e a encarou.

— Você é um dos soldados responsáveis por minha segurança?

— Não, sou apenas um guarda da ronda. Ouvi Léa pedir ajuda e achei melhor vir avisá-la.

— Ela estava delirando?

— Mais ou menos. Ela dizia "preciso ajudar a princesa", então decidi que o melhor era que viesse até ela, já que não tinha condições de vir até você.

— Obrigada pela preocupação. Boa noite, soldado.

— Boa noite, Avice — ele respondeu, com uma expressão séria e respeitosa.

Após a saída de Thomaz, Avice olhou para Léa, que agora vestia uma camisola de seda e estava com os cabelos presos delicadamente. Avice sentiu-se feliz por poder retribuir, ainda que de forma singela, o carinho e a ajuda que sua amiga sempre lhe dava.

Depois de um banho demorado, encontrou Léa já em pé, confusa com a situação.

— Léa, deite-se. Você precisa descansar.

— Princesa, estou bem! Mas o que faço em seus aposentos? E quem me vestiu?

— Você estava se sentindo mal. Um soldado que fazia a ronda veio me avisar. Achei que o balanço do navio poderia ser a causa do seu mal-estar, então pedi para que a trouxesse para cá.

Léa sorriu, cedendo ao cuidado da princesa.

Naquela noite, as duas conversaram e riram até tarde. No entanto, a certa altura, Avice parecia distante, perdida em pensamentos. Léa notou e balançou a mão diante de seu rosto:

— Em que pensa, Avice?

— Hum... estava pensando em... bolinhos! Vou até a cozinha.

— Eu posso ir buscar para você — Léa ofereceu, sorrindo travessa.

— Não precisa. Neste navio, não há nada que eu mesma não possa fazer.

Colocando um roupão e segurando um castiçal, Avice saiu em busca dos doces bolinhos. Quando estava voltando, subindo as escadas às pressas com sua bandeja, esbarrou em alguém.

— Princesa, o que faz vagando sozinha? — Era Thomaz, o mesmo soldado, com aquele olhar penetrante que lhe tirava o fôlego.

— Você estava me seguindo? — perguntou ela, tentando disfarçar o embaraço.

— Eu estava fazendo minha ronda — explicou ele, com firmeza. — Mas... você arrisca sua segurança por causa de bolinhos?

— Você não manda em mim!

— A guarda real é responsável por sua segurança até Guersi. Isso me obriga a cuidar de você.

— Posso ir agora? — perguntou ela, irritada.

— Pode — ele respondeu, também em tom firme.

Avice voltou para o quarto, sentindo o olhar dele em suas costas. Ao entrar, Léa sorriu, percebendo algo que a própria Avice mal ousava admitir.

— Não foi ele quem te trouxe até aqui? — perguntou Léa.

— Sim, mas agora ele se mostra inconveniente.

— Está apenas cumprindo seu dever.

— De que lado você está? — riu Avice.

— Do seu, princesa — respondeu Léa, com um sorriso de cumplicidade.

Ainda que relutante, Avice sentia-se cada vez mais intrigada pelo misterioso Thomaz. O que havia naquele soldado, tão bonito e ao mesmo tempo tão distante? Ela ainda não sabia, mas a cada encontro com ele, uma única palavra começava a ecoar em sua mente: ruína.

A princesa prometidaOnde histórias criam vida. Descubra agora