A morte de Lilith

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— Acho que você não entendeu a metáfora da coisa, Lilie. Desde quando você assina contrato com o seu próprio nome?

A pergunta de Phillip parecia um tanto fora de contexto. Entretanto, Phillip era uma figura misteriosa, aparecia quando queria e nunca dissera se Mariana era ou não sua amiga.

— Bom, não vejo metáfora nenhuma em um trabalho que diz que minha função é morrer, sabe? Aliás, sobre a morte: tem de ser suicídio ou eu posso esperar o Neil me matar por ter aceitado outro último trabalho de novo?

Phillip estreitou os olhos, impaciente. Pegou o contrato e, com um grifa-texto vintage que sempre parecia estar em seu bolso, grifou a cláusula número 16 do documento.

"A parte CONTRATADA deverá morrer" foi grifado em verde neon.

Depois de grifar a frase, Phillip levantou o rosto e olhou fixamente para Mariana. Levantou uma sobrancelha e, esperando por uma resposta, começou a bater com a caneta no papel.
Mariana não entendeu.

Phillip notou.

— Por acaso a parte contratada é a Mariana? Quer dizer, vamos ver se desenhando você entende.

Sacou um guardanapo do monte e, ainda usando o mesmo grifa-texto, começou a fazer alguns esquemas conceituais.

— Você é Mariana, certo? – Mariana assentiu – Mas quando te contratam, quando você está na rede, quando está fritando computadores de terceiros enquanto frita seus miolos e órgãos internos, você assina como Mariana?

Mariana negou.

— Quem é você na rede?

— Lilith. – murmurou Mariana, começando a entender o conceito – e aliviada de não ter mais de morrer fisicamente, mas ainda sem compreender como Lilith poderia morrer sem que Mariana deixasse de existir. Apagar seu outro eu não era uma opção viável.

Mal humorado, Phillip resmungou algumas coisas antes de dizer:

— Forjar a sua morte. Nós forjaremos a morte de Lilith.

Pela segunda vez naquela semana, Mariana simplesmente não sabia o que esperar.

***

Como se forja uma morte virtual? era a frase que rondava a cabeça de Mariana durante os últimos dias, dias esses em que passava a maior parte do seu tempo dividindo suas horas entre linhas de programação, álcool e drogas ilícitas que a mantivessem acordada por mais tempo. Neil, completamente desgostado de ver sua companheira de quarto se afundar cada vez mais em seu próprio fim, não estava conversando com Mariana e, quando indagado sobre uma possível maneira de forjar a própria morte, respondera algo nas linhas de "Do jeito que você está, não vai precisar forjar absolutamente nada".

Phillip, por sua vez, desaparecera. Depois de sua última conversa, sumira de uma maneira tão agressiva que era como se nunca tivesse existido. E talvez não tivesse mesmo. Se Phillip estivesse envolvido no mesmo trabalho que Mariana, provavelmente teria de morrer, também.
Com uma dor de cabeça insuportável e sua visão apagando, Mariana não percebeu que seu corpo estava virando para trás, nem que seus óculos estavam a ponto de se desconectarem sem nenhum tipo de aviso. Caindo no sono no meio de um frenesi de códigos, Mariana sonhou que em um mundo muito distante, destruir firewalls era apenas mirar e atirar com o mouse, como um jogo de computador.

Acordou com Neil recitando seu mantra enquanto fazia sua meditação. Ainda deitada no mesmo lugar onde caíra, Mariana colocou os óculos em estado de suspensão e levantou para usar o banheiro. Estava com as pernas um pouco bambas e se lembrou de que não comia há pelo menos um dia. Ao voltar para o cômodo principal da casa, Mariana encontrou Neil de pé, com os braços cruzados. Aos poucos, tirou de seu bolso o pen drive, dando a entender que tinha lido seu conteúdo. Ele não parecia feliz.

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⏰ Última atualização: Jul 17, 2019 ⏰

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