Dezenove

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Valentina abriu os olhos para um mundo turvo e borrado. Precisou piscar algumas vezes até recuperar o referencial e identificar onde estava. Aos poucos, reconheceu o teto de gesso branco e as paredes verde claro que pintou com Juliana semanas antes, quando o mundo ainda não tinha virado de ponta-cabeça.

Estava deitada no sofá de seu apartamento, cercada por duas silhuetas que a observavam com evidente curiosidade. Assim que as imagens se tornaram nítidas, distinguiu Camilo, sentado em uma cadeira com uma caneca branca em suas mãos. De dentro do recipiente, pendia o fio de um saquinho de chá.

E muito antes de sua visão voltar ao normal, já tinha identificado Juliana sentada no chão, ainda com seu vestido de festa, com olheiras suaves ao redor dos olhos e o braço direito apoiado em suas pernas.

— Val? — chamou Juliana, passando do chão para o sofá em um movimento rápido — Você está bem?

Estava? Responder essa pergunta se tornava um desafio mais difícil a cada regressão.

Valentina tentou organizar seus pensamentos, que caminhavam em círculos numa órbita confusa muito particular. Sua cabeça estava latejando como uma caixa de som, e a dor dava murros persistentes em vários cantos de seu corpo ao mesmo tempo. Sentia-se descolada de si mesma, como se não estivesse realmente de volta a seu próprio tempo, mas também não estivesse no passado. Parecia presa em um meio termo nebuloso, como se não fosse mais quem era, mas também não soubesse mais quem estava se tornando.

— Como vim parar aqui? — balbuciou Val, se desvencilhando da pergunta complexa que Juliana tinha feito.

— Juliana pediu que eu fosse te ver no hospital, Valentina. — começou Camilo, gentilmente — Chegando lá, me disseram que você tinha ido embora. Então, vim correndo para cá e te encontrei caída na escada.

— Eu cheguei um pouco depois disso. — complementou Juliana, acariciando uma das mãos de sua namorada, que estava fria como um bloco de gelo.

Valentina assentiu. Sabia que tinha algumas explicações a dar, como por que tinha abandonado o hospital para investigar a pista sobre o dono do prédio e os motivos pelos quais estava caída nas escadarias do edifício. Contudo, desistiu de formular qualquer justificativa quando fez um pequeno esforço para sentar no sofá e sentiu um enjoo forte se espalhar pela boca de seu estômago.

Então, lembrou da informação mais importante.

— Isabel está grávida.

Camilo e Juliana não disfarçaram a surpresa enquanto trocaram olhares preocupados.

— O que? — perguntou Juliana — Como assim grávida?

— Ela é casada com um homem. — respondeu Valentina, dando de ombros em seguida — Sabe como as coisas eram naquela época. Acho que ela não teve muita escolha.

— Uma criança pode facilitar o processo de rastrearmos Isabel. — avaliou Camilo — Posso pedir aos meus amigos da universidade para buscarem pelo registro de nascimento de filhos de Pedro Vega. Então, vemos o que consta no documento.

— Conversamos sobre isso depois. — decidiu Juliana, lançando um olhar para o rosto pálido e cansado de Valentina — Quer deitar? Vou te ajudar a ir para a cama.

Valentina balançou a cabeça afirmativamente. Em resposta, Juliana sorriu carinhosamente, sem mostrar os dentes, segurou sua namorada pela mão e amparou suas costas, a ajudando a se levantar. Então, com o braço em torno da cintura dela, a guiou até o quarto com a delicadeza de quem usa as mãos para costurar, e a firmeza de quem, em uma vida passada, tentou transformar um país inteiro com armas.

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