6 - Tarde Demais

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Em um bairro de classe média-baixa de uma cidade vivia um jovem sonhador. Aliás, ele não viva, mas sim sofria todos os dias. Sofria por todos os dias sentir a dor de ter visto seus sonhos e expectativas morrerem, um a um.

Numa bela tarde, seus familiares chegaram em casa e encontraram esse jovem no mesmo estado de seus sonhos: morto... sem vida... inerte e com um semblante de quem tinha de tudo para ser feliz, mas que o mundo roubara todas as suas oportunidades de alcançar a felicidade.

Quando os peritos da polícia chegaram, logo encontraram no bolso do jovem uma folha de papel dobrada e endereçada justamente para eles. E na folha havia um texto que dizia assim:

Meus amigos com distintivos, por anos acompanhei o trabalho de vocês pela televisão e sempre fiquei maravilhado com a forma como resolviam casos que pareciam impossíveis.

Como sempre quis participar de um caso real, vou lhes ajudar neste na qual eu sou vítima. Mas devo dizer que esse caso não será dos difíceis.

Não precisarão se preocupar em procurar provas, muito menos impressões digitais. Rasto de pegadas, fibras de tecidos, cabelo ou outra forma de conseguir amostra de DNA, nada disso será preciso e também nada irão encontrar.

Para entenderem o que houve comigo, bastam apenas levantarem minhas pálpebras, olharem fundo nos meus olhos e tentarem através deles enxergar meu sofrimento e por tudo que na vida eu tive de superar.

Tudo começou na época do ensino médio, quando era apenas um garoto que de todos queria ser amigo, mas que nunca imaginava o bullying que sofreria, e o tamanho sofrimento que encontraria pela frente.

Foi abandonando a escola pelo medo e pela tristeza é que descobri uma forma de tentar superar minha fraqueza. Foi aí que eu comecei a criar e a escrever como uma forma de distrair minha mente.

Foram com aqueles bonequinhos de plástico que usava para brincar sobre a cômoda do quarto que eu criei minha primeira história. Uma história básica onde havia o bem e o mal, e os heróis sempre triunfavam no final.

Após dias e horas e mais horas escrevendo e criando, eu consegui colocar para fora tudo de ruim que minha mente havia absorvido da terrível experiência no ensino médio. Todos diziam com sinceridade que tudo que eu escrevia sempre ficava bom, e eu acabei interpretando toda minha história como um tipo de sinal.

Comecei a sentir vontade de sair mostrando tudo que eu criava para todos, e foi aí que me ocorreu a ideia de lançar um livro. E de tão ingênuo, eu acreditava que isso mudaria minha vida de tal maneira que eu seria visto como alguém que não desistiu ao chegar diante da primeira subida... alguém que da tristeza tirou matéria prima e a usou para vencer na vida.

Depois de muito procurar e muitos contatos realizar, foi através de uma pequena e desconhecida editora para novatos que eu vi esse sonho bem próximo de se tornar realidade.

O método de publicação escolhido não era tão caro, mas custava mais que eu tinha e exigia um esforço que talvez não traria bons resultados. Em outras palavras, era bem arriscado. Mas fui movido pela fé e sabia que ali não poderia parar. Eu tinha certeza que a vitória chegaria, e desde esse momento eu era atormentado por um sentimento que no final se mostrou ser a verdade.

Quando o livro finalmente foi colocado em pré-venda, eu sabia que teria pouco tempo para vender uma determinada quantidade. A princípio parecia difícil, mas eu acreditava na capacidade do meu trabalho. Pensei que não teria problema em vender tantos exemplares em tão pouco tempo, e chegava até a pensar que todos se esgotariam.

Com o tempo e na tentativa de divulgar, eu fui percebendo a realidade do que é lançar um livro e fazer com que alguém o compre. Eu era alguém sem nome, sem reconhecimento... e por mais que minha história fosse linda e cativante, tudo estava tão longe de ser como as pessoas realmente gostariam.

Estava empolgado, nas redes sociais fazia amizades e apresentava meu trabalho, e não tinha um que não o elogiava. Mas ao mesmo tempo eu enxergava como tudo era mais difícil por não ter um nome já conhecido.

Tive poucas pessoas ao meu lado, me apoiando de verdade. Agradeço de coração a todos que me deram aquela força, mas ficava triste em ver que todo mundo só tinha olhos para renomados como Dan Brown e J.K Rowling, e eu era somente um pequenino ali naquele meio, como um caquinho de vidro em meio a uma jazida de diamantes. Se eu morresse, sem ter um nome, ninguém saberia o que havia acontecido.

O tempo passou e todas as verdades se somaram com a realidade e culminaram em somente uma coisa: o fracasso de meu trabalho. Não vendeu vinte por cento da quantidade necessária e tive de pagar por todos que sobraram.

Com o gostinho deste fracasso veio junto a dor da desistência. E confesso, fui ingênuo em acreditar que tudo seria da forma como eu pensava... como nos filmes onde o personagem dá a volta por cima e ri de todos aqueles que um dia o zombaram.

Pior que qualquer coisa é no final das contas ver que todos os seus opressores estão na sua frente e bem melhores que você. Não tem como um ser humano ser atingido por um sentimento mais devastador.

Em fim, não consegui levar a vida com esse novo sentimento diário que tomou o lugar dos meus sonhos e expectativas. Casa dos sonhos, carro dos sonhos, vida dos sonhos... são apenas alguns dos sonhos que presenciei a morte, principalmente pela dificuldade em arrumar um emprego qualquer. Isso não é fraqueza. Ás vezes a dor é maior do que podemos suportar, e confesso que contra a dor emocional e sentimental nunca fui um eficiente lutador.

Posso ser chamado de fraco por todos. Todos poderão dizer que eu devia ter perseverado. Todo mundo pode dizer que sou apenas mais um que sucumbiu às dores de ser um fracassado. Dez bilhões podem pensar o que quiserem de mim, mas somente uma pessoa viveu o que eu vivi e sentiu o que eu senti. Essa pessoa sou eu. Só eu posso dizer o quanto doeu.

Sei que agora, após meu coração para sempre ter parado, todos saberão meu nome, minha história será contada pelas mídias e isso dividirá opiniões entre as pessoas. Sei que agora, após a minha morte, as pessoas lerão o meu trabalho por todos os cantos, mas já será tarde demais. Quem estiver lendo com certeza será perguntado: você também resolveu ler o trabalho daquele jovem autor que faleceu?

Poderiam ter dado uma chance para este jovem antes, com certeza eu diria. Entrar no metrô e ver alguém lendo seu trabalho era o que ele mais queria. Infelizmente, sem uma forma de se tornar visível, nada disso é possível. E no final das contas, essa história só conseguiu ser contada após uma vida ser interrompida.

Sei que é muito triste isso, eu entendo. Com ajuda de remédios fiz parar um coração que triste estava batendo. E como um último trabalho levando minha assinatura, eu lhes deixo esse simples poema com algumas rimas e mantenho assim minha postura. Este último trabalho é muito mais que uma carta de suicídio deixada para os detetives. Ele na verdade é como um rastro deixado por uma lágrima de anjo escorrida.

E assim como diz o jovem no poema encontrado pelos peritos, seus trabalhos foram reconhecidos pelo mundo após aquela triste notícia ser transmitida pela mídia. Seu nome estampou capas de jornais e revistas, e centenas de milhares de corações pelo mundo inteiro se emocionaram com suas escritas.

Mas infelizmente, isso já não mais importaria, pois para a pessoa que isso mais traria felicidades e satisfações, tarde demais já seria.

Meus Pensamentos ProfundosOnde histórias criam vida. Descubra agora