01 • [festividade]

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     A escuridão era um manto que caía sobre o pacato vilarejo, despejando a tranquilidade sobre os trabalhadores que voltaram de mais uma colheita, para as crianças o som suave do vento uivando nas infiltrações de suas casas, trazendo a sensação do sono, para amortecer seus corpos da crueldade da situação atual do mundo. Notícias ruins circulavam o tempo todo, tendo proporções grandes, muito mais que notícias boas, que se tornaram raridade.

     Em uma destas casas do vilarejo que cheirava a fumaça de lenhas, um pouco mais a direita de uma enorme árvore sendo corroída pelo outono, uma lamparina ainda se encontrava acessa, iluminando o rosto de um garotinho levemente sonolento envolvido em cobertas grossas, tentando focar sua visão no rosto jovem e belo de sua mãe, que estava de joelhos ao lado da cama de madeira desproporcional, fazendo carinho nos fios escuros de seu filho, Jung Hoseok, enquanto segurava com a outra mão seu objeto luminoso.

     ㅡ Yoon vai poder vir com a gente, mamãe? ㅡ Perguntou pela terceira vez naquelas vinte e quatro horas, bocejando ao fim da pergunta, sobre o piquenique que fariam na tarde do próximo dia, envolvendo pessoas que tanto gostava.

    Sua mãe sorriu de forma doce, balançando a cabeça em positividade. Adorava a forma que, tudo que envolvesse coisas boas, até mesmo repartir uma fruta ao final da tarde, Hoseok se lembrava de seu amiguinho um ano mais velho que sua cria, pálido dos dentes afiados, de casas a distância dalí.

     ㅡ Ele e a tia Min irão conosco, vamos pegar aquela toalha bonitinha que você ajudou a mamãe a remendar, e forrar o chão ㅡ Sorriu, percebendo os olhos de sua criança cintilando ㅡ Podemos até brincar de esconde-esconde antes de comer, mas isso só vai acontecer se você dormir, Hobi ㅡ Alertou utilizando o apelido para ser mais persuasiva, vendo o filho fechar os olhos imediatamente, em um esforço infantil para dormir, e quando acordar já estar no horário de ir ao piquenique, na floresta com seu melhor amigo.

    Mesmo que soubesse que teria que ajudar sua mãe em alguns trabalhos antes do evento esperado, sentia-se otimista e alegre em saber que iria ser divertir com a proximidade das pessoas que mais tinha intimidade.

     Com mais algumas carícias nas madeixas escuras de Hoseok, antes de se levantar do chão, convencida que em poucos minutos seu pequeno filho de sete anos cairia no sono, e novamente sonharia com algo criativo. O que de fato aconteceu, mas não desejaria que ele acordasse de supetão e visse um pesadelo vivo, horas depois.

    Os gritos se infiltraram no sonho suave e colorido de explosiva, obrigando o pequeno garoto sonolento a ficar alarmado em sua cama. Eram sons tão aparentes, tão próximos, assim como luzes quentes que chegavam até seu campo de visão pelas frestas da casa de madeira. Suas mãos jogaram as cobertas pesadas para o lado, e antes que pudesse sair para ver o que estava acontecendo, vestiu seus chinelos de couro, lembrando-se dos conselhos de sua mãe, em não andar descalço ou coisinhas podiam machucar seus pés.

     O som de várias vozes misturadas e resmungos brutos pareciam se movimentar do lado de fora das paredes amadeiradas do abrigo, assim como as luzes do lado de fora que piscavam constantemente sendo supridas por outras, como uma caminhada. Seus pés o fizeram cambalear até a porta central de sua residência, e não precisou-se de muito para perceber que a fachada estava livremente aberta, a porta arrancada e quebrada em vários pedaços pelo caminho, lançando-o à uma realidade monstruosa, porém confusa.

    Um carrilhão de pessoas eufóricas estavam de costas para sua visão periférica, porém eram familiares do vilarejo, pareciam se deslocar da frente de sua casa, onde aparentemente estiveram até instantes atrás. Era uma imagem brutalmente assustadora para uma criança, tudo se mesclava, as chamas dos fogos em tochas na mão de várias pessoas, outras erguendo suas forcas e machados de trabalho, animados de uma forma sombria.

     ㅡ Mata a bruxa! ㅡ Essa frase se repetiu várias vezes, vinda de várias pessoas diferentes naquele arrastão, as mais ao longe ou as mais próximas. Todos juntos, pareciam ter a mesma intenção.

     Confuso com a solidão da casa, o garotinho desperto desceu alguns caixotes, chegando ao chão de terra do vilarejo, os moradores carregavam algo em saltos, porém estavam se movimentando muito rápido e com agrassevidade suficiente para que uma criança não conseguisse distinguir qual era o motivo de tanta festividade.

     Talvez mamãe e papai estejam nessa festa. Pensou, apertando os lábios em desconfiança.

     ㅡ MAMÃE! ㅡ O grito agudo, infantil e familiar alcançou os ouvidos de Hoseok como um choque, o fazendo ficar ainda mais alerto com tudo.

     Min Yoongi, seu melhor amigo de brincadeiras corria aos tropeços pela estrada de areia, chutando algumas fumaças secas, seu pijama e rosto imundos de terra, deixando explícito que seu esforço para correr o mais rápido que conseguirá, o fez cair no chão mais vezes do que sabia contar. As lágrimas desesperadas escorriam manchando seu rosto sujo como um dedo engordurado, suas mãos se balançavam pedindo por parada redirecionadas a multidão, enquanto suas pernas curtas tentavam ser o mais veloz possível.

    Ao ver o desespero de seu melhor amigo, o pequeno Jung não hesitou em correr para a figura desesperada do outro, querendo entender o que estava acontecendo, e por que um grito avulso envolvia sua mãe.

     ㅡ Yoon! Yoon! ㅡ Desesperou-se ao ver seu amigo se assustar com o chamado repentino e alto, o fazendo tropeçar nos próprios pés outra vez, ocasionando uma nova queda de cara na terra áspera.

    Imediatamente seu instinto o fez abraçar o corpo do melhor amigo, o pondo de pé. A calça de seu pijama manufaturado estava rasgada, dando boa vista para seu joelho machucado, que sangrava agora forma viva, com a nova queda. Yoongi tinha os olhos escuros e felinos calmos na maior parte do tempo de convívio, mas naquele instante estavam assustados demais para ficarem na mania gentil do habitual.

    ㅡ O que está acontecendo? ㅡ Hoseok perguntou, vendo que o melhor amigo tentava se desvencilhar de seus braços, desesperadamente com intuito claro de correr para a multidão festiva.

    ㅡ Mamãe! Levaram minha mamãe! ㅡ Explodiu em lágrimas, e suas mãozinhas pequenas trêmulas não ficavam estáticas um instante sequer, expondo seu pavor de tremer as pernas ㅡ Alí! Arrastaram minha mamãe!

    Hoseok sentiu seu pequeno coração rasgar no peito ao ver uma nova lágrimas marcar o rosto de Yoongi, e o desespero se apoderou de seu corpo, seus olhos rápidos agarraram-se aos detalhes, a porta de sua casa arrombada, pessoas gritando pedidos de execução, tochas e equipamentos afiados de trabalhos. O que aquelas pessoas carregavam eram suas mães.

Porto Real • YoonseokOnde histórias criam vida. Descubra agora