Capítulo Único

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Capítulo Único // Oneshot de 1000 palavras

(John)

E do fogo ele surgiu, mais agressivo e apaixonante do que nunca, Sherlock Holmes. Seus arqui-inimigos diriam que sua arrogância surgiu através do seu coração de poeta — uma caixa repleta de histórias fascinantes que juntas criam um dos enredos mais dramáticos e assustadoramente bonitos já feitos. Mas há quem diga — seus amigos — que o seu real coração está escondido atrás do seu coração explícito.

Eu, sem dúvida alguma, sou o seu amigo. Mais que seu amigo, eu sou o pouco de sobriedade que sobrou na loucura de sua vida. Um sociopata altamente funcional é tão inconsequente e alheio aos sentimentos — apesar do seu romantismo pela dança — que sermos a flecha do seu coração é inevitável. De primeiro momento eu não o escolhi como meu amado, mas talvez a sua imprudência não tenha me afetado tanto assim...

Por que eu o amo? Porque ele é apaixonante. Quando ele é apaixonante? Quando dança.

Quando Sherlock dança é... Indomável. É diferente de quando ele toca em seu violino, por exemplo, quando está entediado, onde a sonoridade é interrompida diversas vezes pelos suspiros silenciosos de sua impaciência. A dança é mais polêmica, chocante e que causa impacto visual. É a marca registrada dele.

Quando o vejo dançar Ballet no palco do teatro, fico extasiado. Nos seus movimentos há uma linha tênue de rústico e delicadeza. Todos eles são precisos, cada passo dado é uma história da sua alma e dos seus sentimentos. Ele se entrega de corpo e alma, de paixão, de cara lavada. No palco ele é o Deus, o pecado, o artista, o presidente, o escolhido. É quem ele quer ser. Sociopata altamente funcional? Detetive Consultor? Não. Sherlock Holmes.

Ele dança Barre: Pliés (Extrait de Cavaliera Rusticana) de Collete Astruc como a suavidade do vento. Ele se deixa levar, suas pernas longas e firmes sabem onde exatamente pisar e causar impacto ao público; os braços longos e ágeis parecem ter receio de rodopiar pelo ar, tamanha é a sutileza; os cabelos cacheados que eu tanto amo entrelaçar os dedos movimentam-se de maneira rebelde. E dessa forma a dança continua, como uma obra de arte. O Adagio, Fondu, Jaté*... São só mais um complemento do que ele já sabe fazer.

Quando ele se curva diante o público, as pessoas aplaudem de pé, porque sabem que ele alcançou a magnitude com precisão. Ele não sorri, não acena e não fala, porque Sherlock é rude e sabe que o seu trabalho foi bem feito.

No final da tarde, quando as pessoas estão saindo do teatro, Sherlock finalmente me encontra. Ele também não está sorrindo, e dessa vez não por ser rude, e sim por ele não ter motivos para sorrir. Mas quando ele se aproxima de mim, ele tem consciência de que as minhas bochechas coradas denunciavam o quão fascinado havia ficado, e ele espera que eu o elogie. E é exatamente isso que eu faço.

— Você estava lindo.

Então, pela primeira vez, ele sorri.

Sherlock não responde e anda até mim, segurando meu rosto entre suas grandes mãos e me beija com a mesma suavidade que havia dançado. Sherlock é ainda mais apaixonante quando me beija, porque eu sinto o seu amor.

— As pessoas vão comentar — digo, me referindo ao Ballet, quando já nos separamos.

— Eu não ligo para o que as pessoas pensam de mim, John — seu tom de voz é um pouco impaciente, mas eu não ligo. Nossas mãos entrelaçadas são um ótimo tipo de distração. — Eu só ligo para o que uma pessoa acha — ele diz, olhando para mim e me fazendo corar.

Foi a primeira vez que Sherlock mostrou ao público sua paixão pelo Ballet, foi a primeira vez que eu o vi tão calmo e tão sereno, foi a primeira vez que eu vi ele amando algo de verdade além de mim.

Ele continuou indo ao teatro nos próximos dias, até que se passou semanas, meses e enfim anos. Ele se dedicou mais à dança, treinou mais, se entregou mais para a arte que tanto amava. Às vezes eu sentia que ele ficava muito sobrecarregado, dando resultado em horas com as mãos no violino, mas eu não intervia, porquê, apesar de todas as controvérsias e de todos os falatórios alheios, ele se perdia na imensidão da doçura que era o Ballet.

Assim ele continuou sua vida, equilibrando a simplicidade da dança com a complexidade do seu eu interior, ocasionando em uma estranha coerência. Eu o acompanhava em todas as apresentações, eu o aplaudia em todas as apresentações, eu o elogiava em todo final de apresentação e eu amava tudo isso. A acidez que percorre as minhas veias ao vê-lo dançar é tão grande quanto quando nos aventuramos nos casos que carregam um extremo perigo para nossas vidas - como quando ocorreu o caso com a sua irmã, Eurus. É tão prazerosa e contínua que preciso sentí-la mais vezes.

Sherlock diz que eu romantizo demais, e isso desde que criei o meu blog, mas ele não enxerga o que eu enxergo. Ele não entende que a minha concepção de Sherlock Holmes é o mundo da loucura, da saudade, da maldade, do fogo, da liberdade, da insanidade, da sanidade e da paixão. É um mundo onde o amor é socorrido por versos poéticos de dedos desesperados. É o mundo que eu escolhi amar.

Parece um pouco ao extremo, eu sei, e talvez até seja, mas as coisas ficam um pouco mais poéticas quando se é namorado e companheiro de apartamento há muitos anos de Sherlock.

Finalmente posso dizer que sim, Sherlock encontrou a totalidade do seu ser, mesmo que ele seja o mais imprevisível e imprudente possível. Ele dança o Ballet como ninguém, as pessoas o odeiam porque tem inveja. Ele dança para si, para nós e para todos, porque ama. Ele é Sherlock Holmes, um Detetive Consultor, um sociopata altamente funcional, meu namorado, rude, descrente e alheio à beleza, mas, antes disso, ele é bailarino. Um bailarino profissional, apreciado, respeitado, intrigante e apaixonante.

E eu sou John Watson, um perdido no inevitável da sua loucura.

*Passos do Balé Clássico

dancin ⋅ johnlock ✓Onde histórias criam vida. Descubra agora