Se arrependimento pudesse gerar mortes, com certeza Valerie estaria encrencada, não que estar nesse patamar fosse novidade para a garota. Pelo contrário.
Pegando o impulso necessário, enfim se levantou, coçando os próprios olhos e bocejando em seguida. Fez menção de abaixar a cabeça, mas não o fez graças a forte pontada que lhe atingiu em cheio. Tudo bem, uma ressaca era tudo o que menos precisava no momento.- Desce, garota. Seu pai resolveu preparar o café da manhã.
A figura loira e feminina colocou-se no vão da porta, indicando as primeiras ordens do dia para a mais nova, que por sua vez assentiu com a cabeça, sem ao menos fita-la.
- Perdeu a língua agora?
Ignorando-a, se direcionou em passos desconcertados até o banheiro, o adentrando e ao tentar fechar a porta, a mulher com olheiras abaixo dos olhos se impôs, empurrando a madeira de volta para próximo da parede. Seu semblante era sério, o cheiro exalado pela mesma era bastante conhecido por Valerie desde o dia em que seu pai a trouxe para o que um dia já foi a casa de ambos. Álcool. E numa quantidade exorbitante, aparentemente.
- Você gosta de me provocar, não é?
Indagou retoricamente, fazendo com que a morena recuasse a medida que a loira se aproximava, enfurecida.
- Me responde direito, Valerie, ou eu...
Não era necessário que continuasse, nunca foi. Suas unhas pintadas de vermelho encontraram o cinto preso a calça que vesti, na intenção de tira-lo. Algo que por sorte não passou de intenções. O homem de barba sutilmente grisalha apareceu, como a salvação da própria filha, com um sorriso de ponta à ponta nos lábios.
- Pequena, que bom que te encontrei. Fiz ovos mexidos para o café e suco de laranja. O seu preferido.
Permitindo-se retomar a própria postura, Valerie devolveu o sorriso para Nicholas, fazendo com que a mulher que ainda pouco aproximava-se da mesma com fúria e más intenções disfarça-se ao máximo, virando-se de costas e consequentemente de frente para o marido.
- Estava convencendo ela a ir tomar café conosco, meu bem.
O mesmo assentiu e deixou um beijo nos lábios da mulher. Era novidade para Valerie ver Nicholas desse jeito. Fazendo o café da manhã sendo que esse nem mesmo era um costume dos mesmos. Ou pelo menos, em algum instante, havia sido. Um instante do qual o homem se lembrava, mas Valerie não. As coisas eram bem diferentes para ela. E Nick parecia ser o único a não enxergar isso, nem mesmo sóbrio, como parecia estar agora, ao contrário de sua companheira.
Mas era momentâneo. Ela sabia. Ela mais do que ninguém sabia que não iria durar o necessário. O necessário para dizer o quanto sentia falta de seu pai e do que o mesmo já foi algum dia. Era passageiro. Ligeiro. Veloz. E escaparia de seus dedos antes mesmo que pudesse segura-lo com firmeza.
Seus pensamentos estavam bagunçados, se quer conseguia recordar-se de como conseguiu chegar em casa na noite anterior. Tudo o que se tinham eram breves lampejos. Tão breves que mal faziam sentido. Esperou que os mais velhos descessem, e tomou o banho mais rápido que conseguiu. Todas as suas roupas cheiravam a maconha. Vestindo-se com o uniforme do colégio, foi até o próprio guarda-roupa, tirando um sanduíche devidamente embalado do móvel. O guardou na mochila e desceu até o andar de baixo, vendo seu pai sentado à mesa, deliciando-se com o café. A cena lhe fez abrir um pequeno sorriso, sem ao menos mostrar os dentes, e antes que pudesse ser vista, virou e entrou na cozinha, saindo pela porta dos fundos e rumando até a própria colégio. Não que aquele fosse seu desejo. De longe. Mas era uma obrigação. Precisava entender algumas coisas e depois retornaria para... Casa. Para onde costuma ir pra trocar de roupas e coisas do gênero. Mataria o máximo de aulas que conseguisse. Sua cabeça parecia estar prestes a explodir.
Ao pisar no corredor principal, onde a movimentação já encontrava-se reduzida, agradeceu aos céus por encontrar um rosto familiar. Tomou a devida aproximação de Carol, que por sua vez fitava a tela do celular, parecendo entretida no que lia.
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Estilhaços
RandomToda história tem dois lados. Toda história tem dois pontos de vista. Toda história conta com escolhas. Escolhas tornam histórias difíceis, ou não. Existem histórias que precisam ser contadas. Histórias que merecem ser reconhecidas. Histórias incrí...