Eu havia dormido por horas. Já não aguentava o cheiro de remédio e álcool que aquele ambiente exalava. Minha cabeça girava, sentia-me tonta e com um gosto amargo horrível na boca.
Leyla dormia tranquilamente em uma poltrona ao lado de minha cama. Minha irmã aguentou meus choros e tremedeiras por tempos até que a enfermeira decidiu dopar-me. Eu sentia-me como há meses atrás com minhas crises. Deixei que esse pensamento fosse apenas momentâneo. Batidas na porta fizeram com que eu encolhesse-me.
Eu já não aguentava ouvir péssimas notícias de doutores.
— Srtª Sanem, como se sente? - Safik, um dos médicos que segurou-me durante meu desespero, questionou enquanto ajustava meu travesseiro.
Dei de ombros, sorrindo como pude.
— Sei que está sendo difícil para você, eu te peço paciência, sim? - cruzei meus braços e arfei com uma dor aguda.
— Dói? - ele se aproximou e examinou o inchaço em meu ombro esquerdo, passando para meu antebraço. Afirmei — Foram tantas coisas que aconteceram e você nem se consultou após o acidente, mocinha.
— Tenho mais com o que me preocupar - afastei suas mãos de meu pescoço, que também se notava um inchaço.
— Sim, você tem. Chamarei a enfermeira, você teve diversas luxações e nem sequer nos deixou perceber - apanhando um interfone ao lado de minha irmã, que acordava confusa, Afik acionou alguns botões.
Uff, eu só queria ir para minha casa.
[...]
A semana se passou arrastando. Eu não podia ver Can, considerando o fato de que eu estava hospitalizada também. Sentia-me um cachorro com aquela maldita facha ao meu redor. Em meus braços, eram aplicadas seringas duas vezes por dia. Minhas luxações estavam dando resultados, mas ainda precisava me curar.
Tive pequenas fraturas, que ao meu ver, nem havia preocupações. Mas meus pais insistiam que eu ficasse ali por dias.
Aziz e Mihriban tinham sido minha maior força naquele meio agoniante. Contavam como Can estava reagindo aos lugares que ia, como se alimentava melhor ao decorrer dos dias, e os retornos ao hospital. Provavelmente teria alta em algumas semanas.
Eu sentia-me só, mesmo com as visitas frequentes de Ceycey, Deren, Deniz e as ligações de Ayhan e Osman. Eu sentia falta dos meus amigos por perto. Sentia falta de Can. De meus pais como eram antigamente. De Leyla sem Emre. De Aylin, que levasse ele bem para longe.
Sentia falta da minha vida há dois anos atrás. Eu faria sim, tudo de novo, com mudanças bruscas.
O toque suave de batidas na porta me tiraram dos devaneios. Ajustei-me com as costas na cama e pedi que entrasse.
Segurei um suspiro quando Can colocou apenas meio corpo para dentro do quarto, dizendo baixinho:
— Tenho permissão para entrar?
Não consegui esconder o sorriso que se formava em meus lábios. Fingi uma tosse mal sucedida e assenti, dando espaço com os braços.
— Claro.
Soando hesitante, meu grande amor caminhou até a poltrona ao meu lado.
Observando-o pude notar que estava mais abatido. Alguns hematomas no braço liberado pela camisa meia manga, os lábios rachados com alguns cortes, assim como na testa.
— Como você está? - ele quis saber. Balancei a cabeça e revidei
— Não deveria ser a minha pergunta à você?
Ele sorriu de canto, ainda parecendo incomodado. Droga, apenas a minha presença o deixava pressionado? Como eu viveria dessa forma? E se ele nunca recuperasse a memória?
— Sei que fomos namorados.
A minha vontade de dizer que ainda eramos, fora um grito em vácuo dentro de mim. Eu não podia fazer isso com ele, mas deveria me magoar?
— Estávamos juntos até o acidente - comentei, tentando jogar verde para que ele soubesse que recentemente, antes da desgraça, ainda eramos um só.
Os olhos castanhos do homem a minha frente finalmente decidiram me encarar. Ele parecia chateado, descontente.
— Sinto muito.
— Não é culpa sua por não lembrar, não é como se você pedisse ao médico para retirar suas memórias sobre mim - tentei soar engraçada, mas meu humor havia se tornado zero. E ele percebeu.
— Eu prometo que farei o possível para lembrar, eu só preciso de tempo.
Não pude dizer nada. Eu queria ter uma varinha de condão e bater tanto na cabeça dele até que ele lembrasse que temos um amor que em minhas mãos renderá dez best-sellers.
— Você pode me fazer um breve resumo do que tivemos?
Eu ri. Pela primeira vez dentro daquele tempo, ri com gosto. Ele havia pedido com tanta certeza e nervosismo que soou fofo vindo de um brutamontes daquele.
— Fiz o pedido errado?
— Não - neguei e puxei algo debaixo de meu travesseiro — Se não te incomodar, leia este livro. Ele sim tem um breve resumo do símbolo do nosso amor.
— Breve resumo, você diz - ele folheou o livro e riu — Imagina se fosse só um resumo.
— Eu posso contar algumas coisas também.
— Como por exemplo...?
Levantei meu tronco da cama e brinquei com meus dedos. Eu contaria à ele? Can não sentiria nada de mal nisso?
O homem ainda mirava-me em busca de uma resposta.
— Nós estávamos prestes a viajar pelo mundo. Precisávamos disso após um longo ano separados - respirei fundo e o encarei — Nós voltaríamos com três filhos e nos casaríamos em seguida.
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Recuperando-nos
RomanceDecididos a finalmente viverem seu amor da forma que merecem, Can e Sanem são barrados pelos pais da mais nova escritora do país. Com mais um obstáculo em mente impedindo que ambos possam seguir com sua viagem a Galápagos, o relacionamento é colocad...