Parte III

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Assisti a cena por mais ou menos cinco minutos até perceber que só eu estava presente no quarto a partir daquele momento. Tomei um banho demorado, coloquei uma combinação de jeans e camiseta que eu gostava, penteei o cabelo e arrumei uma nova mala. Nesse tempo desviei duas vezes do corpo no chão que era de madeira, que provavelmente iria ficar manchado pela espuma branca que saia pela boca, aproveitei e olhei de novo para aquele rosto sabendo que seria a última vez que o veria.

Não estava com pressa, continuei juntando algumas coisas que queria na mala, um caderno, minha caneta preferida, embora saiba que para onde estava indo, não poderia usá-la e eles a tomariam de mim. Por fim, chamei um táxi e não me incomodei de trancar a porta do meu apartamento com chave, a essa altura do jogo, não iria dar trabalho para ninguém. Não demorou muito para que o táxi chegasse, levei a mala junto a mim no banco de trás, entreguei o endereço anotado em um papel para o motorista, que olhou do papel para mim para ter certeza se era o endereço certo e apenas afirmei balançando a cabeça e dando um sorriso que imprimia simpatia.

Como o caminho seria longo e fechei os olhos e tentei dormir, pois teria pelo menos uma hora e meia até chegar ao meu destino, que era demasiadamente de propósito afastado da cidade. Devo ter cochilado por pouco tempo, visto que assim que abri os olhos ainda via a estrada passando diante dos meus olhos com uma velocidade de que se olhasse muito pela janela, ficaria enjoada. Desde criança ficava nauseada com a sensação das árvores passando rápido demais.

Respirei fundo para aquela sensação passar, chequei onde estava e calculei que ainda faltava pelo menos quarenta minutos para que eu chegasse.

O motorista do táxi devia ter pelo menos uns cinquenta e cinco anos, faltavam cabelos na parte de trás da cabeça, tinha um bigode que estava precisando aparar e embora ele estivesse usando óculos de sol, eu conseguia ver que ele de tempos em tempos olhava para o banco de trás. Peguei meu caderno e minha caneta e resolvi escrever uma carta para Lucas, senti que devia uma explicação a ele, pobre coitado.



Querido Lucas,

Sim, querido sim, porque não? Posso ser tudo, mas prezo por educação. Espero que não tenha levado nada do que eu fiz para o lado pessoal. Simplesmente tinha que acontecer, pode chamar de destino se quiser, eu sei que você acreditava nesse tipo de coisa.

Resolvi te escrever para que você não ficasse com esse olhar de confusão cravado na cara, apenas isso. Eu sei o que você está pensando agora, ou melhor, pensaria, já que seu cérebro agora é apenas massa morta.

Enfim, sei que você acha que eu estou arrependida, mas bem, de que eu estaria arrependida? Será que ninguém te ensinou durante sua miserável vida de 25 anos que tudo que se faz tem consequências? Queria que você tivesse aprendido de outro modo e não desse, no qual me forçou a fazer.

Eu sei que você pensou que estávamos indo bem, eu também pensei, até certo ponto. Você quer saber onde eu percebi que estávamos indo ladeira a baixo não quer? Bom, você já não ficava mais nos limites que eu colocava para você, e eu entendo querer se aventurar, mas se aventurar às minhas custas?

Quando você me chamou de "dócil" pela primeira vez eu chorei e você achou fofo, bom eu estava fingindo, não poderia estar mais entediada. Dócil, sério? Não sei por que você achava isso bom ou excitante. Foi ali que percebi o tempo que estava perdendo com você, poderia simplesmente ter ido embora e te deixado na sua miserável vida, mas quis me divertir um pouco quando me dei conta que você me traia com várias mulheres.

De novo: se aventurar às minhas custas? Péssima escolha. Você regou a minha competitividade todos os dias que mentia dizendo que ficou mais tarde no trabalho para entregar relatórios, desafiando e rindo da minha inteligência.

Roleta RussaOnde histórias criam vida. Descubra agora