Sétimo Dia

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Boa Leitura

Estava deitado em minha cama, mesmo já sendo meio dia.

Já havia se passado uma semana e a única coisa que fiz foi dormir. Emagreci bastante, pois comi o mínimo pra sobreviver e tirei uma licença do hospital. Mas não conseguia chorar, não só porque o Yoon pediu, mas porque eu me sentia vazio, estático e sem forças até pra isso.

Hoje era o dia de abrir a segunda carta. E como esse foi o último desejo do meu amor, decidi segurar a ansiedade e abri-las nas datas que me foi pedido. Então me estiquei até o criado mudo e peguei a caixinha, retirando a carta que correspondia ao dia de hoje, e seu título no envelope foi doloroso de ler:

"Sete dias sem você".

“Oi, meu amor, senti saudades. Na real, não sei se senti, pois não sei se na pós-vida é possível ter sentimentos. Nem sei se tem pós-vida, mas nesse momento prefiro acreditar que sim.

Enquanto escrevo essa carta você tá trabalhando. Sei que a cada meia hora você vem me dar um oi, mas mesmo só fazendo vinte minutos que você saiu a saudade já deu as caras, então posso imaginar como você está se sentindo, pois sei que daqui dez minutos vou ganhar meu beijinho na testa e mesmo assim sinto sua falta. Não consigo imaginar como seria saber que você não apareceria pra me dar carinho mais, então entendo sua dor. Mas faz um favor? Levanta o rabo dessa cama e vai tomar um banho. Tô sentindo a catinga aqui do céu, seu porquinho! E por favor, coma direito, você tá magrinho, ok?"

Sério, como ele sabe essas coisas todas?

"Não quero te assustar por ter acertado em que condições você se encontra, mas acho que te conheço o suficiente pra saber que isso seria real. E sobre estar magrinho, você pode ter disfarçado que estava comendo, mas desde que piorei no último mês só vejo você ficar cada dia mais magro, e isso me dói. E então se cuida, tá?

Como te disse na primeira carta, essa e a anterior foram as últimas a serem escritas. Quero te contar que eu passei a cronometrar seus trinta minutos longe de mim. Sei que não vou durar muito mais, mas mesmo não sendo religioso, rezo o tempo todo pra morrer em seus braços. Não só pelo fato de que eu me sentiria mais seguro, mas porque morro de medo de morrer nessa sua saidinha e você se culpar por não estar comigo. Espero que você tenha estado lá, e se não esteve, por favor, não se culpe, pois você esteve mais do que imaginei que um dia alguém pudesse estar lá por mim."

Eu estive lá. Você morreu em meus braços, sua respiração estava fraca, e eu quis te colocar no oxigênio naquela noite e você não quis. Eu não consegui escutar sua voz de tão baixa que estava, então após injetar um remédio pra dor em seu soro, deitei ao seu lado e pedi pra colocar o oxigênio e sua resposta foi:

— Eu te amo demais e queria ficar aqui pra sempre, mas você precisa me deixar ir, meu amor.

Então eu não coloquei o oxigênio. Acariciei seu rosto e disse que você poderia ir em paz e que eu te amava e te amaria sempre. Você sorriu e disse "Até, logo meu amor". Sua respiração ficou descompassada, o barulho do seu coração diminuindo era enlouquecedor, eu selei seu lábios e abri meus olhos, mas você nunca mais abriu os seus. De repente várias pessoas entraram correndo no quarto, eu ninava seu corpo frágil ainda quente enquanto chorava desesperadamente. Tentaram me tirar de você pra tentarem te ressuscitar, mas eu dei um berro falando que você não queria, que até que enfim você descansaria, e mesmo com toda minha dor em ver seu rostinho sereno em paz me fez aguentar o pior dia da minha vida. Eu não tinha mais você, mas antes não te ter e você estar bem, do que te ver sofrendo por mais tempo por egoísmo meu em não te deixar ir.

Chorei com as lembranças. Mas não era um choro de dor, era um choro de saudade. Acho que esse tipo de choro o Yoongi aprova. Voltei á minha leitura.

"Hoje está sendo um dia particularmente difícil. Depois que o médico me disse que não teria mais o que fazer, o que eu já imaginava, dormi um pouco e acordei ouvindo seu choro no banheiro. Depois você me deu um beijo tão cheio de sentimentos que parecia que meu coração sairia do peito. Pena ser tão curto, já que a falta de ar sempre chega muito rápido pra mim.

Você brincou um pouco com a minha mão e a beijou desolado. Sei que foi difícil, mas o que eu quero hoje é te contar como você mudou minha vida, e agradecer por ter me feito tão feliz.

Depois daquele dia no banco que você me abraçou e cantou pra mim, nós nos apresentamos e então você me perguntou o que tinha acontecido e também um pouco da minha vida fudida. Em nenhum momento você me parou e achou que eu estava mentindo ou algo do tipo, você sabia que eu precisava desabafar e você é um ótimo ouvinte. Também te disse que estava pensando em desistir do tratamento e de processar o hospital e o médico anterior. Você me apoiou no caso do processo, afinal, se o médico errou uma vez, poderia errar novamente, e mesmo não trazendo minha saúde de volta, pelo menos ele não faria mal a mais ninguém.

Mas você me incentivou a me tratar, disse que a vida era linda demais pra eu desistir e se mesmo que fosse pra viver um único dia a mais já valeria à pena. Eu disse que pensaria nisso, mas pensar que seria um tratamento pesado, lembrar dos meus cabelos caindo e das dores no corpo e principalmente na dor de estômago, era algo que eu não sabia se aguentaria passar de novo. Quando me levantei você me abraçou bem forte e me disse:

— Pela vida vale a pena lutar.

— Minha vida sempre foi horrorosa. Não sei se vale a pena tentar — Retruquei, mesmo sorrindo de volta pra você.

— Eu posso te ajudar a conhecer um outro tipo de vida. Eu posso te ajudar a ser feliz mesmo no meio desse caos, você topa? – Sorri mais aberto ainda e balancei a cabeça em confirmação. Vi o sorriso mais luminoso que conheci, o sorriso do meu Kookie.

Eu fui pra casa e pensei no assunto, mas o quê você não sabe, é que no momento que você prometeu me mostrar que tudo valeria à pena, por algum motivo eu acreditei e já estava tomado a minha decisão. Eu iria tentar, então obrigado por ter me convencido e ter cumprido sua promessa. Mesmo em meio ao caos, você me deu o melhor ano da minha vida.

Então levante, se cuide, e volte a trabalhar, pois você foi a melhor coisa que aconteceu em minha vida, não me decepcione destruindo a sua. Como você me disse, mesmo que for só um dia a mais, vale a pena lutar. Então lute um dia de cada vez. Estarei te apoiando e te amando, onde quer que eu esteja.

Eternamente seu, Jeon Yoongi."

Ler suas histórias me lembrou de tantas coisas boas que resolvi me levantar. Deixar de ser um porquinho (como ele disse), tomar banho, comer algo e ir ao hospital pegar um turno, mesmo que curto. Um passo de cada vez. Mas no meu caso, é um passo de bebê, pequeno, inseguro, mas persistente.

Após tomar banho, pedi um almoço em um aplicativo, depois escovei os dentes peguei meu uniforme e minhas coisas e fui rumo ao estágio. Eu precisava terminá-lo, e então entrar na faculdade de medicina, como Yoongi disse. Ao chegar na rua, meu coração bateu forte. Já próximo ao hospital, as lágrimas apareceram, afinal, esse foi o nosso local por todo nosso relacionamento e era óbvio que ia doer. Sentei no banco na entrada e conversei com Yoon, disse a ele minha decisão. Naquela noite mesmo eu pediria transferência para pediatria ou obstetrícia, iria deixar a morte de lado e passar a trazer vidas. Olhei pro céu onde vi uma estrela brilhar mais forte que as outras, e por mais louco que pareça, senti como se fosse um sinal do meu marido em apoio a minha decisão. Me levantei e fui em direção a entrada do hospital, mas não sem antes olhar novamente aquela estrela e dizer em um sussurro:

— Durma bem, meu anjo. Te amo.

Eternamente SeuOnde histórias criam vida. Descubra agora