"Talvez não existam sinais. Talvez a gente não precise dar significado à todas as coisinhas. Talvez a gente não precise que o universo nos diga o que a gente realmente quer. Talvez a gente já saiba, lá no fundo."
— How I met your mother
...
Améllia Howtwel
— Você pode me lembrar por que estamos fazendo isso mesmo? — pergunto com as mãos trêmulas de frio. Ele me lança um sorriso de lado que faz com que eu me distraia por uns 30 segundos. Inevitável, eu diria. É fim de semana e estamos fazendo uma trilha. Sim, em pleno inverno.
— Os seis meses mais incríveis das nossas vidas, esqueceu?
Em cima da montanha Renna o frio é três vezes maior do que na cidade. Depois de 2hrs caminhando à passos lentos, finalmente chegamos e devo reconhecer que a vista é impressionante.
— Feche os olhos.
— É uma sugestão? — digo em resposta.
— Faz parte do jogo. Do jogo de sentir as coisas como se só tivéssemos o agora.
Foi o que eu fiz. Fechei os olhos e inspirei o ar, profundamente. Senti o vento hiper gelado soprando pelas mechas de cabelo que escapavam da touca. Gian estava ao meu lado e o silêncio que pairava entre nós era acolhedor e confortável. Abri os olhos e o analisei: os olhos dele ainda estavam fechados e seus braços abertos. Ele sorria, e cantava alguma parte baixinho de I'm yours do Jason Mraz. Essa observação não durou muito e logo estava ele lá, me encarando de volta.
— Preciso de permissão para tirar uma foto sua?
— Suponho que não.
— Ótimo, porque já fotografei vários momentos nossos. — E me entrega a câmera com a ultima fotografia que tirou.
A foto havia sido tirada muito provavelmente enquanto eu estava com os olhos fechados, ele deve ter usado um temporizador. Nossas silhuetas eram delineadas pelo céu alaranjado do fim de tarde. As luzes da cidade refletiam desfocadas e revelavam a vista que se estendia à nossa frente.
— Essa foto ficou simplesmente incrível! Você já pensou em trabalhar com fotografia? Talvez seja o seu grande "amor", entende?
— Grande amor?
— Todos temos algo que simplesmente nos faz ver sentido no mundo. Algo que faz nosso coração bater feliz, que faz a gente querer sair por aí, mudando o mundo literalmente. A maioria das pessoas pensam que só conseguem se sentir dessa forma com alguém do lado, aquela coisa de "preciso de alguém pra ser feliz", mas sou contra a essa teoria. A gente pode se sentir feliz descobrindo o que realmente nascemos para fazer. Dizem que existem dois dias importantes na nossa vida: O dia que a gente nasce e o dia em que a gente descobre porque nasceu. Confio nessa lógica.
— É simplesmente o raciocínio mais impressionante que já ouvi. Tenho que concordar, essa sua teoria faz todo sentido. Somos bombardeados desde a infância com a ideia de que precisamos de alguém para ser feliz. Acredito que a nossa felicidade é composta por pequenas nostalgias, tipo essa que estamos tendo: em breve será uma memória. Lembraremos pequenos detalhes dessa memória com o tempo. Também acho que temos 'grandes amores' durante a vida. Não necessariamente românticos, entende Am? Gosto de pensar que tudo que faz o coração bater mais forte já se trata de um grande amor.
— A fotografia é um grande amor para você?
— Viajar pelo mundo é um grande amor para você? — Ele me pergunta isso depois de alguns segundos fitando o horizonte. Essa pergunta me lembrou que vou embora em breve. Prefiro mudar de assunto para não transparecer que estou começando a me apegar demais à esse momento que estamos tendo.
— Como foi que você tirou essa foto afinal?
— Um artista não revela seus métodos. Prometo te mandar uma cópia.
E antes que eu pudesse responder, ele me puxa pela mão esquerda e me leva até uma rocha gigante, cheia de nomes e frases espalhados.
— Pura depredação. — digo tentando manter um ar de seriedade.
— Acho que precisamos deixar nossa marca para as próximas gerações de alguma forma, Am. — e me entrega a caneta.
— É uma loucura, mas preciso concordar. Améllia e Gian estiveram aqui?
— Muito clichê. Acho que deveríamos expressar algo que remetesse o que estamos vivendo, tipo, no momento.
— "Amanhã será tomorrow?"
— Clássica e atemporal. Devemos completar com nossas iniciais?
Confirmei que sim. Mesmo achando isso muito brega, permiti me sentir boba e adolescente. Gian causava esse efeito em mim: como se tudo fosse possível e como se todos os milésimos valessem a pena.
Sorrimos muito, analisamos a vista mais um pouco, sentados. Debatemos que realmente, amanhã será amanhã, o amanhã virá, é inevitável. Então precisamos viver o hoje, o agora.
Gian Carbone
Todas as vezes que ficamos em silêncio eu penso em um mundo de coisas para dizer, que expressassem de alguma forma toda a gratidão que eu sinto por estarmos juntos nessa aventura. Cada instante é único, diferente.
— Tenho uma proposta para nós dois.
— Nós dois? — Ela responde, toda vermelha, fitando o par de tênis.
— Sim. — respondo com firmeza. — Um show do The Pogues. E sim, os ingressos já estão comprados, área vip talvez.
— OMG GIAN! COMO VOCÊ CONSEGUIU?
Améllia tem a melhor reação possível, ao gritar, em frente à um pub psicodélico, que decidimos entrar em seguida. Ela me abraça como se estivesse tentando me esmagar, o que eu achei um tanto inesperado. Talvez tenha sido inesperado até mesmo para ela, por que ao perceber o que estava fazendo se afastou ficando vermelha novamente. Um minuto se passou e voltamos a caminhar.
— Faz parte da aventura. — digo finalmente
..............
— Então, 31 de Março. Marcado?
— Sou toda sua. — responde segurando a minha mão, novamente como havia feito na Torre aquele dia. — Para o show, claro. — completa.
..............
As semanas seguintes foram marcadas por pequenos e rápidos encontros para o almoçar e barzinhos às sextas. Odeio admitir que meu trabalho toma metade do tempo necessário para a nossa aventura, mas sinto que algo mudou desde a última vez que nos vimos. O show, pensei sozinho enquanto me arrumava para a ocasião. Tudo pode acontecer, inclusive ela se admitir a nossa química imutável.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Outro lado
RomancePara Améllia, o mundo é a sua casa. Para Gian, a Itália. Quando se conhecem a química é inegável, mas Améllia pretende ir embora para um mochilão dentro de 6 meses, mas a cada encontro com Gian encontra mais motivos para ficar. Narrado pelos próprio...