Mais que fraterno

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(contém um trecho e referências ao conto: "A aventura dos três Garridebs", de Arthur Conan dyle.)




Watson lia um livro qualquer enquanto relaxava em sua poltrona. o dia lá fora estava parcialmente nublado, era possível ouvir os passos monótonos dos londrinos na rua e o som dos cabriolés passando sobre o chão de concreto, tudo soava como um lembrete de que mesmo com o clima maçante, a cidade nunca parava.

Já era na faixa de 13:00 da tarde e seu amigo ainda não havia saído de seus aposentos, Sherlock era uma criatura noturna. o palpite principal de John é de que ele passou a noite em claro ocupado com suas pesquisas inacabadas e pela milésima vez procurando o que adicionar ao seu estudo sobre os vários tipos diferentes de tabaco, era costumeiro que ele saísse da cama tão tarde.

Porém, John se sentia um tanto culpado pela última discussão que tiveram, gritou com Holmes e disse coisas que foram no mínimo, impensadas. mas em nome de tudo o que é sagrado, aquele homem o tirava do sério! o fato dele querer se destruir daquela forma era inaceitável, um sujeito tão sábio permitindo-se usar aquelas substâncias nocivas em busca de míseros instantes de prazer? não importa que esteja se matando aos poucos?

Para Watson, importa. depois de vivenciar o horror da guerra e sofrer tantas perdas, o simples fato de estar vivo ganhou um novo significado.
não era só gratidão, era medo de perder outra vez. se perdesse Sherlock, John talvez não fosse capaz de recomeçar, não sabendo que o homem que o salvou e lhe deu uma nova vida agora estava morto, morto pela pelas suas próprias mãos e seu único amigo foi impotente o bastante para não impedi-lo.

Porém mais que isso, ele sentia uma afeição especial pelo companheiro de aventuras. por mais inconseqüente, insensível e na maioria das vezes insuportável, Holmes tinha um lado humano que só John era capaz de ver, um lado que ele sequer imaginava existir por trás daquela máscara fria e indiferente. e bem, o próprio já duvidou se sua companhia era de fato importante ou ao menos agradável para aquele homem cheio de caprichos, mas isso mudou no dia em que viu o terror naqueles olhos que normalmente eram cinzentos e frios.

"Depois de quase uma noite inteira de tocaia, os dois haviam conseguido encurralar o assassino que usava uma identidade falsa e se escondia em uma pensão da Ryder Street.

O matador, como era chamado, tinha uma insanidade quase diabólica, esboçou um cínico sorriso quando percebeu que haviam duas pistolas apontadas para sua cabeça, logo em seguida sacou uma arma do peito e disparou quase que em direções aleatórias.
A primeira reação de Sherlock foi abaixar-se bruscamente na tentativa de se proteger, o que deu ao seu oponente a chance de atacar Watson.

O loiro sentiu algo afiado queimar sua coxa como brasa, mas imediatamente viu o homem cair devido a uma coronhada de revólver na cabeça, Holmes o havia golpeado ferozmente.
num movimento rápido ele amparou o amigo até uma cadeira e se inclinou ficando na sua altura.

- você não está ferido Watson? por favor, diga que não! - o detetive parecia implorar, estava desesperado

Durante uma pequena fração de tempo, John só conseguia olhar fixamente para Sherlock sem poder dizer uma palavra, seu cérebro parecia não processar tudo aquilo. a voz cortada, os labios tremendo, as mãos grandes o segurando firme como se fossem perde-lo, e os olhos; aqueles olhos pareciam o mar revolto na face de uma tempestade; medo e fúria pareciam se revezar entre as sobrancelhas do moreno.

Sim, medo. durante um minuto, um único; o soldado quebrado conheceu a lealdade que parecia estar tão escondida no vazio onde ninguém imaginava existir um coração. naquele momento ele sentiu que poderia levar todos os tiros possíveis tais como as balas que cantavam sobre sua cabeça quando estava no Afeganistão, se toda a dor terminasse ali, no simples fato de saber que Sherlock Holmes se importava, valeria a pena.

Após essa silenciosa revelação, Watson conseguiu juntar as palavras, parecia que estava em transe. murmurou que estava bem e que tinha sido apenas um leve corte de raspão, de fato era superficial, e Holmes suspirou aliviado. o sorriso cansado logo deu lugar a um olhar furioso dirigido ao criminoso que ainda estava no chão.

- isso é bom até para você, se tivesse matado Watson... não sairia vivo desse quarto."

a frase dita com tanta convicção surtiu um efeito que John achava desconhecer, era como se... Sherlock o amasse. bem, essa era uma conclusão óbvia, é claro que sim, um amor fraterno. o tipo de amor que se tem entre amigos; irmãos. mas ultimamente algo parece sufocar esse sentimento, fazendo com que suas raízes cresçam em direções que não deveriam.

ele já havia flagrado a si mesmo observando o amigo mais do que o de costume. vendo seus lábios ganharem uma tonalidade rosada e um tanto atraente graças ao contato com a xícara de chá quente, os cabelos negros que nos dias preguiçosos estavam sempre despenteados formando ondas nada precisas, a forma como o corpo alto se movia; sutil e atento como um felino, os olhos penetrantes que pareciam enxergar a alma de qualquer um.

aquele homem era um mistério, um agridoce segredo que só Watson descobriu. e por mais que negasse a si mesmo, o que sentia estava crescendo de forma quase que descontrolada. mas não podia ser! bem, aquelas eram coisas que um homem normal sente, mas por uma mulher.

ele estava confundindo as coisas, era errado e sabia disso. talvez estivesse sozinho a tanto tempo que agora estava agindo como um adolescente perdido numa paixonite boba e obsessiva, talvez.

John suspirou cansado, já havia perdido o foco em sua leitura há muito tempo, agora pensava em alguma solução para seus pensamentos inapropriados quando Sherlock; que na sua percepção sequer havia deixado a cama naquele dia, adentrou ao cômodo.

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⏰ Última atualização: Aug 05, 2019 ⏰

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