Coloquei a janta estranha delas na mesa, elas olhavam para mim debochando, achando mesmo que iriam me atingir e me chatear, mas não funcionava. Eu tinha naquela casa o meu lugar preferido para almoçar e jantar. Do lado da sala da limpeza tinha um cômodo vazio com uma vidraça enorme e um banquinho. Dali dava pra ver a rua de trás, e naquela rua tinha pessoas, vizinhos... Era bem movimentada e me trazia paz.
— Encontrei a isolada! — gritou Tamara quando abriu a porta.
— Posso ajudar? — eu perguntei.
— Me dê o seu prato agora e vai lavar a louça da janta!
— Mas eu nem terminei de comer e...— Não me importo!
— Tamara deixa ela comer! Você não comeu tranquila?! Ela merece também. — disse Lara.
— Obrigada, Lara! — agradeci.
— Defendendo ela, irmã? Ela não merece nem um grão de arroz! — Tamara tomou meu prato fazendo a comida cair no chão.
— Ixi, vai ter que limpar aqui... — ela deu uma gargalhada e saiu rindo. Meu coração apertou naquela hora... Lara me olhou e saiu atrás da irmã.
Para ir ao meu quarto tinha que sair da mansão, em uma portinha escondida do lado direito, um corredor e uma escadaria. Temia em sair na rua tão tarde - elas sempre me seguravam dando serviço onde nem existia sujeira. Segui meu caminho como todo dia, mas quando eu cheguei à minha porta e tentei abrir, não abria, estava trancada. Ouvi quando a porta da mansão também foi trancada, elas estavam de novo querendo me deixar com raiva. Trancando a mansão não teria como eu ir pedir a chave, e já que eu não tinha uma, eu ficaria sem lugar pra dormir. Sentei na frente do meu cantinho e fechei meus olhos, respirei fundo, não ia chorar, não iam me atingir assim tão fácil. Levantei-me e fui a caminho do porão atrás da mansão, também bem escondido.
Me sentia suja, de tão sujo que era o lugar - mesmo depois da minha organização, ele continuava sendo um lugar sujo.Não fiz minhas tarefas direito, pois estava cansada. Não conseguia dormir, mas pelo menos ali tinha luz... No meu cantinho nem luz boa tinha, a luz era fraca, de noite eu não conseguia ver quase nada. Deitei no colchão que tinha no andar de baixo e fechei meus olhos. Não havia passado muitos minutos, não sei o que houve, se foi o lugar ou o meu medo mesmo, mas senti um calafrio percorrer por todo o meu corpo, me encolhi na cama e pedi para que eu mesma me acalmasse. Alguém me olhava, não parecia ser apenas uma coisa da minha cabeça, respirei fundo e tentei não pensar em nada... Sonhei:
Andava por ruas muito bem iluminadas pelo sol, sentia uma paz... Olhei em minha volta e não havia ninguém, mas depois de respirar fundo e olhar novamente vi um lobo! Um lobo! Eu o olhava por trás, sua cor era um branco limpinho, encantador. Eu o admirava, ele se virou como se o tempo todo estivesse me vendo ali, começou a correr em minha direção, quando vi que ele corria, tentei correr, mas parecia só haver uma vidraça enorme atrás de mim, parei de tentar, me sentei e ele começou a chegar perto rosnando.
— Ei, calma, eu não vou te fazer mal, se não me fizer mal! — sussurrei.
Seus grandes olhos verdes me encararam, virando a cabeça para o lado direito e esquerdo, me analisando.
— Tudo bem, eu sou a Adina! Você não tem um nome não é?! Então vou te dar um, mas não agora, pois não sei nenhum.
Ele rosnou, e logo após mostrou seus grandes dentes afiados. Quem pensa em dar um nome para um lobo?! Eu entendo ele.
— Você não quer ser meu amigo? Entendi! Mas não consigo fugir de você...
Ele chegou mais perto de mim, e quando ia me tocar... Dei um pulo da cama, indo pra trás, me assustando com Lara sentada me olhando.
— Lara? O que faz aqui? — perguntei.
— Estava passando pela frente do porão quando ouvi um barulho, cheguei aqui e você estava lá na parede encostada, batendo do seu lado, fazendo barulho não sei como. E começou a dizer que seu nome era Adina e daria um nome para mim...
— Nossa!
— Estava sonhando?
— Sim.
— Quer me contar?
— Ah, é coisa boba, tudo da minha imaginação.
— Me conte! Mas antes, por que está dormindo aqui?
— Trancaram meu quarto. — ela abaixou a cabeça.
— Tudo bem... — sorri.
Contei a ela tudo que havia sonhado e ela me olhava, analisava e parecia admirar.
— Parecia real! — eu disse.
— Eu gostei! — ela respondeu.
— Mesmo?
— Sim!
Olhei à minha volta e realmente parecia que alguém tinha ido ali e bagunçado tudo, fiquei assustada.
— Me conta como foi o primeiro dia de aula? — pedi.
— Eu conto, foi excelente! Sabe como é chegar à escola e ter amigos, todos saberem que você existe e perguntarem como foram as suas férias? — Tamara estava no começo da escada, falava descendo.
— Ninguém perguntou de você pra mim, perguntou pra você, Lara? — ela deu um sorriso vitorioso. Lara abaixou a cabeça.
— Você limpou aqui como minha mãe mandou? Porque não está parecendo, então depois de preparar nosso café da manhã, trate de limpar esse lugar e deixar brilhando! — disse Tamara.
— Mas preciso ir pra escola hoje, quando voltar eu limpo. — respondi.
— Não falei quando você voltar, disse depois do café, então será depois do café.
Escola era um lugar onde eu podia ver pessoas diferentes... Eu gostava de estar ali, mas já havia voltado as aulas e eu não consegui ir nenhum dia.
— Mãe, acredita que aquele porão está imundo? A princesa Adina não limpou como você mandou ontem. — disse Tamara.
— Como assim, Adina? — perguntou a bruxa.
— Eu estava muito cansada então só organizei, quando eu chegar da escola hoje limpo tudo por lá! — respondi.
— Não mesmo, quero tudo organizado antes. Você vai faltar de novo.
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Branca e o Lobo
RomanceCom apenas um toque, toda a sua vida se transformou. Adina passou anos privada de toda a sua liberdade, solitária em um mundo tão grande e sem o apoio de ninguém. Vivia com a sua madrasta e as duas meias irmãs, mas em uma certa noite, o destino a ce...