Eu nem quero responder, mas sei que vou ser pressionada dos dois lados a falar.
-Vai ver ele é legal- digo olhando pra duas.
A Lena franse as sobrancelhas, ela sabe da minha opinião, enquanto a Lu me olha com cara de quem sabe que eu estou escondendo algo.
Mas a verdade é que concordava com que o Heitor não valia a pena, mas não comento nada, não quero magoar a Luiza e nem cair na pilha da Lena, apesar de de concordar com ela. Meu problema com o Heitor vai além de achar que ele é narcisista, fanfarrão, e mulherengo, mesmo namorando, pois é, as histórias correm. A minha relutância com ele vai desde o fundamental quando ele fazia parte de um grupinho que adorava tirar sarro dos mais fracos, como eu na época, mesmo eu tendo fingido que isso não me afetava e continua afetando, ou que isso me mudou me tornando uma pessoa insegura. Mas é assim que as coisas funcionam você precisa fingir que não se importa, para poder seguir em frente e para as pessoas não continuarem sabendo como te machucarem, as suas feridas cicatrizam, mas vão sempre estar lá pra te lembrar. Talvez eu esteja errada sobre o Heitor, sempre que esses atos aconteciam ele fazia cara de quem não gostava do que estava acontecendo, mas não tinha coragem para falar. Acho que ele nem percebia o meu desconforto e o quanto essas "brincadeiras" me afetavam, pois sempre fui boa em esconder esse tipo de coisa, fingir que não me importo, somente uma pessoa conseguia ver por trás da minha cara de quem não ligava, para as "brincadeiras" que faziam, por isso ele continuava a me incomodar, ainda lembro do seu rosto arrogante, e do seu sorriso quando conseguia fazer com que todos soubessem do meu desconforto, me lembro de como seus olhos brilhavam como um leão encurralando sua presa. Depois que ele foi embora tudo mudou, e devo dizer, para melhor, e agora minhas feridas de tempos difíceis cicatrizaram, espero que seja lá onde estiver tenha mudado e mudado para melhor, mas espero sinceramente nunca ter que ve-ló de novo para constatar isso. E espero mais ainda que o Heitor não seja assim, e não quero ter uma conversa seja lá qual for com ele, acho que não seria capaz de aguentar ter uma conversa civilizada sem parecer estranha ou na defensiva. Nunca precisei pensar sobre isso mas agora que a Luiza esta pensando sobre os dois , isso é uma possibilidade, ela faz exatamente o tipo dele, bom, fisicamente falando já que emocionalmente não sei se dizer se os dois são compatíveis seria como duas bombas atómicas, sempre em alerta. Mesmo não gostando dele, minha amiga é importante demais pra mim e caso, acontecer algo entre os dois ela vai querer minha aprovação, e ignorar a possibilidade dos dois juntos e eu ter que conviver com Heitor é o mesmo que ignorar o olhar matador que Luiza esta dirigindo agora a Lena.
- Bom, só espero que vocês não cortem meu barato e se divirtam também, principalmente você dona Marina Valadares- Lu me olha de um jeito esquisito, que eu não sei identificar, fica entre intimidação e súplica.
Eu não curto muito festas, bom... eu até curto, mas não quando o único objetivo delas é voce ficar bêbado por motivo algum, e tentar transar com qualquer pessoa popular da escola.
Eu até tento responder, mas escutamos o sinal tocar. Salva pelo gongo. Eu vou recolhendo minhas coisas assim como as meninas, quando passamos pela professora ela nos olha estranho, talvez seja porque passamos a aula quase toda conversando, ou porque ela não gostou da minha redação. A Lu nem nota ou finge não notar e passa saltitante pela porta, ela está realmente animada pra festa, já a Lena passa com cara de tédio. Quando ja estou saindo sala, eu rezo para a professorar não me chamar.
Por favor não me chame, por favor não me chame, não me chame.- Senhorita Marina Valadares- escuto a professora me chamar.
Droga, droga, mil vezes droga! Sabia que ela ia notar minha redação sobre os pombinhos morbidos do Shakespeare.
Vejo a professora indo em direção a sua mesa. A professora Judite é uma quarentona loira, um pouco mais alta que eu e meus 1,60cm de altura e com roupas de uma socialite e não de uma professora de ensino médio. Ela é uma entusiasta da literatura, principalmente os clássicos, por mais maçantes que sejam.
- Pode se sentar por favor- diz apontamdo para a cadeira na frente da sua mesa.
Passo alguns segundos avaliando a possibilidade de fingir uma dor de barriga e fugir da sala, mas decido me sentar.
-Bom, li sua redação e achei no mínimo interessante....- a vejo retirando meu trabalho da gaveta- primeiro gostaria que você me conte sobre o que achou do livro.
- É, hum... A verdade é que eu não me identifiquei muito com a leitura, achei a linguagem um pouco difícil de se entender.
- Interessante, gostaria que me explicasse as seguintes citações " Esse livro deveria ser considerado um clássico equivocado, onde o autor é mais importante do que a obra, como acontece nas pinturas", ah e também tem o "pobres tolos de amor que precisaram morrer para nada", foi uma das resenhas entre os trabalhos que mais me surpreenderam- ela troca o olhar entre o trabalho e eu.
- Professora-suspiro- eu só não gostei do livro a verdade é essa. Para mim o contexto e principalmente o final foi terrível.
Ela olha pra mim de cenho franzido. Acho que esta imaginando o que fazer comigo.
Eu nunca entendo essa professora e muito menos essa conversa e aonde ela vai dar. Ela não falou leiam o livro e adorem ele, ela disse leiam o livro e falem sua opinião, e eu escrevi minha opinião, a não ser que ela tenha dito leiam o livro e amem ele, mas tenha falado isso entre linhas por enigmas. E eu sou péssima em ler as entre linhas e descobrir enigmas.- Ok- surpira- ja entendi era só isso, está liberada.
Eu me levanto ainda confusa pela conversa um pouco sem sentido. Consigo finalmente sair da sala e tento não pensar na conversa esquisita, com a professora esquisita.
O dia hoje está cada vez mais estranho.
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Por trás das palavras
RomansaMarina é fã da rotina, tem um grupo de amigas que são tudo pra ela, é uma boa aluna, sua vida escolar é ótima e seus livros são seus tesouros, mas por baixo da máscara que usa todos os dias ela esconde seu trauma de infância, o bully. Mesmo ninguém...