Capítulo 3

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Augusto

Sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Manhã

Ouvi a Lenita se desculpando com Caio por ter chegado mais tarde. Engraçado que é ele quem trabalha para ela, e não o contrário.

Diferentemente do que eu pensava, ela não se parece em nada com a Valéria ou com qualquer outro supervisor aqui. Ela conhece o trabalho e não fica só dando ordens, mas põe a mão na massa também. Embora saiba praticamente tudo, não age como uma sabe-tudo. Pelo contrário. Sempre ouve as opiniões dos outros e trata todo mundo como igual. E apesar disso, ou talvez por isso, fica evidente que é muito respeitada, até pelo Tony, que não respeita ninguém.

— Seu celular estava tocando — Márcio me avisou quando voltei do banheiro.

A Isa tinha deixado duas mensagens.

Isa: Achei você muito quieto ontem. Mais do que o normal. Espero que esteja tudo bem.

Isa: Foi melhor assim. Você entende, né?

Para que ela ainda estava batendo na mesma tecla? Mandei a resposta esperando encerrar a questão de uma vez por todas.

Eu: Acredite, está tudo bem.

Era verdade. Eu realmente estava tranquilo com o fim do namoro. A gente não tinha nada em comum e também não rolava nenhuma química. Eu nem a achava bonita. Não como... outras mulheres que acho bonitas.

Quando começamos a namorar, foi ela quem deu o primeiro passo, já que sou meio devagar pra essas coisas. E a Isa era legal, então parecia certo. Mas não era — pena termos demorado quase dois anos para perceber. Ainda bem que foi ela quem resolveu terminar também. Com certeza, facilitou bastante para mim.

— Então você e a Isa terminaram mesmo?

Em pé ao meu lado, André me encarava curioso. Talvez tivesse visto o que eu estava digitando.

— As notícias correm rápido. Quem te falou?

— Ela mesma. Na saída da aula ontem. Você está bem?

Que saco! Todo mundo ia ficar me perguntando isso?

— Estou ótimo.

— Aí sim. Solteiro no Carnaval. Que sorte, hein?

— Como se eu gostasse de Carnaval.

— É zoeira. Também não suporto. Vamos ver a banda do amigo do Márcio tocar hoje. Tá a fim?

— Claro. Por que não?

Noite

A banda do amigo do Márcio até que tocava bem e estava quase me convencendo de que ter saído de casa não tinha sido má ideia, mas quando você vai a um bar com um grupo de amigos e é o único que não bebe, acaba tendo mais trabalho do que diversão. Eu devia ter desconfiado que o André ia exagerar quando soube que tinha vindo de Uber, mas só me dei conta da furada quando ele começou a passar mal e vomitar até as tripas depois da terceira tequila.

— Minha mãe vai me matar se me vir assim. Posso dormir na sua casa? — pediu.

— Claro, mas não tenho como te levar na garupa desse jeito. Vou chamar um Uber para você e a gente se encontra lá — sugeri. — Consegue avisar sua mãe?

— Consigo. Valeu.


Quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Manhã

— Cara, a chefe do planejamento não tira os olhos de você — André disse entre dentes enquanto supostamente me ajudava com uma papelada na copiadora.

— Até parece! — ri e me fiz de desentendido, mas, na verdade, já tinha notado umas olhadinhas furtivas para o meu lado na última semana.

— É sério! Mas não olhe agora.

Eu estava de costas para as mesas e, portanto, de costas para ela.

— Vai ver ela está olhando pra você, não pra mim — despistei.

— Tenho quase certeza que o negócio é com você — notei uma expressão esperançosa passar pelo rosto dele. Era inegável que tinha gostado da possibilidade de ser o alvo da atenção da Lenita. Que homem não ia querer isso?

Quando voltamos às mesas, ela já não olhava mais. Estava com a cara enfiada na tela do computador. Ela tem essa mania de ficar enrolando uma mecha de cabelo entre os dedos enquanto pensa — o tom cobre dos fios contrastando com o branco leite da pele. Eu acharia lindo se o brilho da aliança não estivesse ferindo meus olhos. Por que não me ocorrera ainda que era casada?

Tarde

— Não acredito que você não vai fazer nada — André ficou me provocando durante o almoço.

— Ela é casada. Não tem o que fazer. E vai ver nem é o que parece. Pode ser só impressão.

— Não seja besta! Vi ela puxando assunto com você de manhã.

— Ela não estava puxando assunto. Só pediu uma informação sobre a campanha.

— Que ela provavelmente já sabia! Ai, cara, sabe o que ela quer? — ele fez um gesto quase obsceno. — Eu já teria partido pra cima.

— Você é maluco!

— E se o marido não está cuidando bem dela? Vai ver ele a trai e ela quer dar o troco.

— Se for isso, ele é um idiota. Mas eu estou fora. Não quero confusão.

— Está com medo de acabar como aquele cantorzinho? — ele parecia se divertir. — O sujeito foi burro. É só fazer a coisa direito.

— Por que você não cala a boca? — sugeri em tom de brincadeira também.

— Vou descobrir tudo pra você.

— Descobrir o quê? Chega, André. Vamos mudar de assunto.

Só que o assunto ficou na minha cabeça o dia inteiro. Tudo o que eu mais queria no mundo era sentir seu perfume bem de perto, me perder entre seus cabelos, tocar as sardas em seu rosto e onde mais elas pudessem existir. Mas, principalmente, queria tocar seu coração. Mesmo sem conhecê-lo, sentia uma inveja irracional do marido por ter chegado antes. Na vida dela e neste mundo.

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