Capítulo 4

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Lenita

Segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Manhã

Levantei cheia de disposição ao primeiro toque do despertador e me surpreendi comigo mesma dedicando um tempo maior que o normal à maquiagem — o que significa que também usei lápis de olho em vez de apenas passar um batom nos lábios. Não queria admitir, mas sabia porque estava tão animada em plena segunda-feira. Infelizmente, o motivo da minha felicidade não deu o ar da graça. Pensei em perguntar a alguém o porquê de sua ausência, mas não encontrei justificativa para meu interesse, então preferi ficar quieta. Meu mau humor devia estar visível, pois Caio perguntou se alguma coisa estava me preocupando.

Não havia nada me preocupando, eu só estava decepcionada. Tinha sido um verdadeiro desperdício de tempo fazendo as unhas e secando o cabelo com escova ontem à noite.

Tarde

Reunião na escola do Ben. Todo início de ano letivo era igual. Um gasto exorbitante com uniforme e material escolar; aquela ansiedade por conhecer a nova professora, torcendo para ser alguém competente e amável.

As outras mães alvoroçadas, tentando causar boa impressão, algumas loucas para socializar e passar a pertencer a um grupo. A professora esforçando-se para mostrar serviço, apresentando antecipadamente todos os projetos a serem desenvolvidos como parte do currículo da série. Uma quantidade insana de datas de provas, trabalhos e eventos para memorizar. Meu evento menos preferido, a comemoração do Dia dos Pais, ainda demoraria bastante, então eu estava sossegada.

Assim que cheguei em casa, encontrei meu filho assistindo a um vídeo no YouTube.

— Oi, Ben. Trouxe o calendário da escola. Vai ter aula de Capoeira para o terceiro ano agora. Legal, né?

— É — ele não parecia nem um pouco animado.

— Não está ansioso para rever seus amigos?

— Não. Prefiro ficar aqui.

Eu compreendia totalmente. Passar todo o período das férias acordando tarde e sem nenhum compromisso tinha sido muito bom para mim também. Tão bom que agora eu estava até inventando motivos insensatos para não odiar tanto voltar ao trabalho.

Quinta-feira 22 de fevereiro de 2018

Manhã

Não o vejo desde a última sexta — a não ser por ontem, quando eu ia embora e nos cruzamos na recepção — o que me leva a crer que mudou de horário. Há males que vem para o bem. Os outros garotos já andavam desconfiando do meu comportamento; nem podia mais olhar para ele sem levantar suspeitas sobre minhas intenções. Não que eu tenha alguma intenção real. Só gosto de olhar para ele. Dá um friozinho no estômago e me faz sorrir por dentro; uma sensação gostosa, difícil de explicar. O estranho é que nem sei direito como ou quando isso começou. Acho que numa manhã qualquer reparei por acaso no quanto suas mãos são bonitas. Sempre tive fixação por mãos masculinas. Se gosto das mãos, acabo olhando para o resto com mais interesse.

De que forma essa beleza toda tinha passado despercebida por tanto tempo é o que ainda me intriga. É verdade que sou muito distraída; também é verdade que ele é muito discreto. Aliás, sei que foi exatamente esse jeitinho meio tímido que me atraiu primeiro, logo depois das mãos

Na semana passada, me peguei observando a nuca, com alguns fios de cabelo saindo fora do acabamento, como se o corte já precisasse ser renovado. E a barba, mais comprida que o habitual, um e outro pelo perdido crescendo nas bochechas e no pescoço, feito um lenhador. Só que um lenhador muito fofo. O corpo esguio, a pele morena, aquele ar de mistério, tudo de mais charmoso junto numa criatura só.

Dias depois, me espantei com a voz: branda, quase infantil (se ele não fosse tão quieto, provavelmente já teria percebido antes). A princípio achei que não fazia jus a sua perfeição, então concluí que não lhe desfavorecia nem um pouco e tinha até bastante a ver com a personalidade de nerd gatinho. Bonito, inteligente e tímido: uma combinação pra lá de tentadora.

Eu sei que não deveria me deixar levar por esses pensamentos, mas também não tem nada de mais. Não passa de uma distração. Ou pelo menos era o que eu achava até a vez em que Augusto saiu mais cedo e se despediu de uma forma diferente, olhando para mim como se eu fosse a única pessoa na sala.

— Tchau, Lenita — disse com um sorriso encabulado depois de acenar de modo geral e displicente para os demais.

Ouvir meu nome pronunciado por aquela voz suave me provocou sensações das quais eu já nem me lembrava. E, inevitavelmente, me fez pensar em Edu. Gostaria tanto que ele ainda estivesse comigo e com Ben. E gostaria muito que, onde quer que estivesse, não pudesse ver o quão tonta eu estava sendo me sentindo atraída por outro homem, isso para não dizer um homem muito mais novo.

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