Capítulo 2

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Lenita

Quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Manhã

— Bom dia — cumprimentei todos coletivamente notando alguns rostos novos (nos dois sentidos).

A vantagem de voltar de férias quase no fim da semana era que o sábado não demoraria muito para chegar. Foi me consolando com esse pensamento que abracei Caio — o único ali que merecia um cumprimento exclusivo — e aproveitei para perguntar sobre os três garotos.

— Quem são?

— São da pesquisa, lá do quinto, mas vão ficar com a gente agora. O RH vai ser transferido para o quinto — explicou ele em tom de quem revela um segredo quentíssimo

— E a Valéria?

— Não apareceu ainda. Pelo menos eu não vi.

— Há quanto tempo estão aqui?

— Uns dez dias, eu acho — ele esboçou um sorrisinho irônico.

Então a Valéria não tinha vindo trabalhar nos últimos dez dias? Por que eu não estava surpresa?

— Como foram as férias? — Felizmente Caio mudou de assunto. Eu sabia que éramos cúmplices do mesmo pensamento maldoso.

— Ótimas! — Ia começar a contar sobre a viagem, mas vi Tony parado diante de mim esperando para ser notado.

Meu gerente tem esse problema. Sempre surge do nada, como se soubesse "aparatar". Parece que sente satisfação em assustar os outros.

— Bom dia! E bem-vinda de volta. Tem um minuto?

Segui-o até sua sala. Ele fez sinal para que eu fechasse a porta e me indicou a cadeira a sua frente.

— Foi bem de férias?

Respondi que sim sem me estender. Sabia que ele não estava realmente interessado.

— Bem, na verdade, tenho duas questões a tratar com você — começou ele. — Então, como deve ter percebido, o pessoal da pesquisa veio trabalhar aqui. Já era um plano antigo que as equipes de vocês ficassem mais próximas. Mas não se preocupe com os garotos. Eles são responsabilidade da Valéria.

— Ainda não vi a Valéria — comentei.

— Ela volta amanhã de Barcelona — disse ele, impaciente com minha interrupção. — A outra questão é mais séria. O Roberto vai se aposentar e não tenho como cuidar de tudo sozinho. Gostaria de saber se posso te indicar para ficar no lugar dele.

Será que eu tinha entendido direito? Senti meu coração disparado. Primeiro, eu não fazia ideia de que o Roberto ia se aposentar. Segundo, e mais importante, o Tony queria mesmo a mim para substituí-lo? Nunca poderia imaginar isso! Na minha cabeça, eu seria a última pessoa... Meu Deus...

— Mas e o Pedro? Ele está aqui há mais tempo. Não posso... — tentei não parecer muito emocionada.

— Ele não tem interesse. Por razões que não vêm ao caso.

Droga! Eu estava prestes a perguntar porque Pedro não queria a promoção.

— E a Valéria?

— A Valéria acabou de entrar. Ela ainda não está pronta para as exigências do cargo. E você sabe que não favorecemos ninguém aqui.

Ergui as sobrancelhas na melhor expressão "você finge que me engana e eu finjo que acredito."

— Ainda vai levar um tempo. Talvez alguns meses. Só queria saber se posso contar com você — concluiu.

— É claro que sim — respondi, dessa vez sem conseguir ocultar o sorriso de satisfação.

— Por enquanto, vou pedir que não comente essa conversa com ninguém.

— Pode ficar tranquilo. E obrigada pela confiança.

Tony apenas assentiu, sinalizando que o assunto estava encerrado. Era minha deixa para sair da sala e evitar que ele desperdiçasse mais de seu precioso tempo comigo.

Noite

O banho sempre me ajudou a ter grandes ideias. Se preciso de inspiração ou quando alguma coisa parece confusa e enigmática, é só deixar a água escorrer pelo corpo e a mente divagar para tudo fazer sentido. Tenho verdadeiras revelações nesses momentos.

Depois de quase meia hora embaixo do chuveiro, ainda queria entender o que levara Tony a me considerar para uma posição tão importante. Eu sabia que ele gostava do meu trabalho, mas nunca pensei que fosse tanto. A única coisa que me ocorria era que, sendo obcecado por poder, deve ter visto uma chance de se destacar, dividindo a responsabilidade com alguém menos poderoso e bem menos ambicioso do que ele.

Não havia dúvidas de que eu estava feliz. Só que ser promovida no lugar de outras pessoas que pareciam escolhas bem mais óbvias implicava em despertar inveja e provavelmente ganhar alguns inimigos. E eu sempre me relacionei tão bem com todos...Tirando as pessoas que eu não conhecia. Como os garotos da Valéria, por exemplo. Evidentemente, já os havia visto algumas vezes antes, mas nunca cheguei sequer a saber seus nomes. Márcio, André e Augusto, segundo me disse Caio. Eu só não me lembrava direito quem era quem. Tinha sido muita informação nova para um primeiro dia depois das férias.

Terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Manhã

A Valéria falou tanta bobagem na reunião que deu pra ver que Tony se irritou. Claro que ele teve que se controlar, o que chegou a ser divertido. No fim, ela saiu da sala de nariz empinado, o barulho dos saltos ecoando pelo piso paviflex, como se tivesse arrasado lá dentro. Não sei pra que vem de salto, toda emperiquitada. Será que não percebe que destoa completamente do ambiente informal aqui?

Não digo que precise se vestir igual a seus assistentes, que vêm trabalhar de camiseta de banda de rock e bermuda caída na cintura com a cueca aparecendo. Olhei para o lado para conferir o "look do dia" de um deles: camiseta preta sem estampa de aparência muito nova, calça cáqui bem passada e sapatênis. Espera! O quê? Então os cuequinhas de fora eram só os outros dois afinal.

Ele parecia bastante concentrado no trabalho, por isso me senti à vontade para continuar olhando: pendurada no encosto da cadeira, uma jaqueta de couro estilo motoqueiro; pousada sobre o mouse, a mão direita de unhas bem cortadas, alguns pelos na área logo abaixo dos nós dos longos dedos que sugeriam um toque tão intenso que quase desejei ser aquele mouse. Augusto — eu já sabia agora. Um nome um tanto antigo para alguém tão jovem.

***

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