Deuses entre nós

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         O sol estava chegando quase ao centro do céu azulado e limpo. O vento passeava suavemente pelos campos verdejantes.
Entre abelhas e alguns besouros, estava uma fêmea de veado mastigando a grama, olhando aparentemente para o nada, enquanto amamentava seu filhote. Por um momento, o pequeno olhava para ela cheirando-a, e depois começava a saltitar em sua frente de um lado para o outro. Era saudável, jovem. Aos poucos ia desfrutando de sua bela juventude.
A orelha de sua mãe entrou em alerta e moveu-se quando escutou um grande barulho e seu filhote correu desnorteado. Ele parou mais a frente e olhou para trás para seu retorno, mas a mesma não estava ali, na verdade não estava mais a sua vista. Sua narina dilatou e contraiu várias vezes para achá-la e fez um som semelhante a um piado, porém, tudo foi em vão. Ela não aparecia para ele, talvez, ela o abandonasse.
Em uma colina próxima dali, um garotou levantou-se com sua arma, colocando-a transversal pelo cinto improvisado de couro e caminhava até lá; até a fêmea de veado que estava caída no chão, ofegante, com os brilhantes e úmidos olhos negros. O garoto ficava parado por um momento e lembrava-se de sua mãe. O quanto ela era chata, briguenta e irritante. Ela não o deixava fazer o que queria enquanto seu pai estava fora.
"Sem correr pela floresta, para de ficar bagunçando as coisas, eu vou te trancar, você não cresce" - ela vivia dizendo.
Sua respiração acelerava enquanto sentia a sensação de seu corpo esquentar e o ar saia tão forte de suas narinas, que respondia por ele mesmo. Ele gritou, se agachando, puxando uma faca de sua bota e começou a esfaquear o animal que apenas o olhava fixamente, enquanto deixava seu algoz vermelho de sangue.
"Agora eu não sou homem o suficiente mamãe?" Ele pensou. Em seguida, olhou para frente vendo o filhote há metros, em silêncio, junto aos campos e, de certa forma, bem aliviado consigo mesmo. Suas sobrancelhas alertas pela surpresa faltavam escapar de sua testa, afinal, o que ele via deitado ali à sua frente, era o corpo sem vida de sua própria mãe. A faca que ia ser guardada suja de sangue cai no chão ao lado dele e as mãos pintadas do mesmo, iam até os ombros apertando-as.

—Mãe, mamãe é você mesmo?

Sua voz ia tremulando e com força sacudia o corpo. Ele botara a mão no rosto já pálido dela, que o encarava espantosamente. Seu rosto a molhar-se de lágrimas, começava a ficar em um tom rosado, misturado ao nervosismo e, sem perceber que estava quase anoitecendo, uma luz aparecia por trás dele. Ele se virou e notava o quanto ela brilhava, era uma cor tão linda e pura, que se não conhecesse a luminosidade do luar, diria que aquilo era mais cintilante do que tudo ou que, a própria Deusa da lua, desceu ao encontro para iluminar seu arredor, mas, sabia que não era isso, porque, aquilo não tinha nenhuma característica humana. Suas quatro patas, seus longos chifres que cresciam para trás e para cima mostravam que na verdade, era um veado, entretanto, o que mais intrigava eram seus olhos, olhos como pedras preciosas adornadas em chama pura. Ele não sabia quem era e porque estava ali. Todavia, tinha quase certeza que sabia o motivo e, se pudesse, pegaria sua arma ou faca e atiraria naquilo, mas a energia que ele emanava era tão forte que seu corpo mal conseguia reagir com um movimento simples.
"Não, não é real, é coisa de minha cabeça, esse bicho não existe" Pensou, fechando os olhos finalmente e, com o máximo de força possível por uns segundos abria, porém, por seu azar ela ainda estava ali. Ele virou-se para sua mãe e tremendo pedia desculpa e ao mesmo tempo ajuda, quando, de repente petrificou, ao momento que a voz, que parecia ecos de tambor, dizia:

— Você a matou Dorian, por quê?

O silêncio predominava o campo e a floresta ao redor, não havia sons de pássaros, mamíferos, e nem sequer de insetos. Até as árvores pareciam caladas diante daquele momento.
"Ele sabe meu nome. Como? O que deve ser isso? É o demônio só pode! Meu Deus, ajude-me"

— Satã eu te expulso em nome de Deus! – Gritava fechando os olhos novamente.

— Satã? Expulsar-me por que se eu não estou aqui por causa de ti?

— Então quem é você, Monstro? - Continuou.

— Anhangá. Mas, me diga a matou por quê? – Insistiu.

Suas mãos, por pouco não estavam cravadas no corpo gélido, só que não sabia de forma alguma o que fazer, pois a única coisa que queria era sair correndo dali e não conseguia. Sem saber o porquê e não entendia como aquilo não se foi, como que ele não é um demônio, já que esses seres que os nativos contam, são como diziam os sacerdotes. Ele sentia e via, mesmo com os olhos mais fechados, a presença se aproximando ainda mais, como se estivesse sobre os seus ombros e a luz penetrava até mesmo o negro de sua visão. Talvez, fosse um anjo.

— Foi um acidente eu atirei em um animal e não nela, não foi culpa minha eu só estava com raiva, muita raiva, dela, de tudo.

— Abra os olhos. - Respondia sereno.

Aos poucos ele fazia o que ele pedia, a visão embaçada ia ficando mais nítida, percebia que já era noite e quando a encarava sentia-se envergonhado, triste, voltando a chorar.
Ele levou uma das mãos aos olhos azuis estatelados dela e com a palma, ia descendo com dificuldade, era como se a mesma não quisesse isso e ficasse olhando seu amado, seu motivo de ser o que é seu mais precioso assassino. Já o jovem, não suportava e desabava finalmente, conseguindo o que queria. Em prantos, ele limpava com o pulso os olhos, fungando, tentando puxar o muco para dentro de seu nariz. A criatura, por si continuava olhando para frente, como se aquilo não fosse o motivo de sua atenção, mas continuava a conversar com ele enquanto percebia a tormenta que estava, mas aquilo era para acontecer, é para ser feito, não importando as consequências do ocorrido e sim o futuro.

— Agora você veio matar-me, não é? Pelo o que eu fiz.

— Eu responderei esta pergunta, se responder-me o porquê a matou.

— Eu já disse não me faça repetir de novo, por favor.

— Não estou dizendo por sua mãe e sim pela dele.


"Dele?" Estranhou e tomou coragem novamente para olhar a criatura, virou-se sem entender e viu que fixava sua visão a frente, com aqueles olhos assustadores, no centro de sua testa um símbolo semelhante a uma cruz.
Dorian percebeu que aquilo era apavorante e ao mesmo tempo belo. Sem ter uma resposta, a criatura virou-se para onde estava concentrado e viu que entre a mata estava o filhote, olhando sempre que podia de um lado para o outro, entendendo o motivo da sua pergunta e sentiu uma forte dor em seu coração, como se fosse perfurado por uma lança e sem perceber, boquiaberto, fechava os punhos voltando a tremer.

— Eu não sei, eu só atirei nela porque eu estava com raiva do modo que eu era controlado e tratado, e, eles eram tão perfeitos - Engolia uma coisa que não sabia o que era, que descia seco.

— Então a matou por inveja, raiva de algo que não fez, algo que não tinha a ver com ela?

— Sim! Me... Perdoe – Dizia, cobrindo sua face com as mãos.

— Por quê?

— Por ter feito isso.

— Não diga isso para mim, rapaz, e sim para ele.

O cervo brancoWhere stories live. Discover now