Estopim

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        Ao abrir a porta encontra Don, aparentemente feliz, com uma sacola em sua mão esquerda.


        - Até que enfim, garoto! - Don entrou no apartamento um pouco menos gelado quanto a rua.

       - O que te traz aqui, velho? Na última vez que você me fez uma visita o dono do prédio perdeu 3 dentes. - Disse rindo, lembrando do momento.

       - Minhas duas pernas, uma garrafa de whiskey e... preciso te pedir um favor. - Don colocava dois copos na mesa, tirando a garrafa da sacola.

       - Me impressiona você não ter tomado essa garrafa inteira no caminho para cá. Do que precisa, velho? - Disse indo para a cozinha, colocando um pouco mais de suco no copo que ainda estava em sua mão. 

     - Ah, hoje é uma situação "especial", se é que posso chamar assim. Preciso que você tome conta de um caso um pouco maior do que o que de costume. - Don falou enquanto colocava mais whiskey em seu copo já vazio.

       - Deixa eu adivinhar: É relacionado ao papel que me deram hoje. - Falou pegando a garrafa e colocando whiskey no outro copo vazio na mesa e tomando um pouco.

       - Olha só! E não é que você é um bom detetive mesmo? - Don ria se jogando um pouco para trás na cadeira.

       - Alguém na equipe tem que ser, né? - Disse tomando um pouco mais, sentindo um arrepio devido ao whiskey que acabara de descer por sua garganta.

       - De fato. Eu já não sou como antigamente, no caso, como eu era há 5 anos. Hahahaha! - Don puxava um charuto do bolso de seu casaco.

       - Então. O que tem de tão importante sobre Lenora? É só uma cidadezinha pequena perto de outro fim-de-mundo. 

       - Aí é que está, rapaz. Pela cidade ser apenas uma ponta esquecida nessa porra de estado, é quase uma terra sem lei. Claro, o prefeito daqui trata Lenora como se fosse apenas uma espécie de bairro deslocado ou outra merda do tipo. A questão é: A usina nuclear de lá era um possível alvo de pequenos grupos que acham que podem mexer com plutônio sem acabar tendo um terceiro braço nascido na testa ou coisa assim. Se esse papel for o que eu estou pensando...

       - O reator foi atacado. - Disse reabastecendo o copo.

       - Pior. O reator explodiu. - Don jogou uma foto na mesa. A foto mostrava o reator, Algumas semanas atrás.

       - Essa porra EXPLODIU?! - Tossiu, engasgando brevemente.

       - Exato, garoto. Não havia atividade na usina, apesar de terem um reator desse tamanho. Era mais uma estrutura de fachada para outros assuntos. O problema é que a cidade foi afetada por parte da explosão. Não como queima de arquivo, mas como efeito colateral, sabe? Viram que não tinha porra nenhuma ali, então explodiram parte do reator, o que acabou acertando a cidade também. A parte interessante vem aí. Não acho que foram uns bandidos quaisquer que fizeram isso. Quem organizou o ataque sabia onde e como agir. Não foi algo momentâneo. 

       -E você quer que eu vá para Lenora para descobrir o que realmente aconteceu, como e por que.

       - ...Sim. - Don falou para dentro, como se estivesse com medo de algo.

       - Bom. É um motivo para eu sair da cidade sem me preocupar com algum cheira-rabo da agência. Quando eu vou?

       - Caralho, garoto. Você ao menos pensou no que eu acabei de dizer? É algo bem maior do que qualquer outro corpo achado em beco que eu ou você tenhamos visto. Não sabemos quem está por trás dessa merda e todo contato com a porca polícia de lá foi perdido. - Don ficou pálido. Pelo seu tom de voz, algo não estava certo.

      - Don. Olha onde você tá. Eu moro aqui sozinho, o único amigo que eu tenho é você e o rádio do meu carro. Eu levanto, trabalho, treino e volto pra cá às vezes sem falar com uma alma viva a porra do dia todo. Você acha que eu tenho algo a perder?

       - Rapaz. Pode não parecer, mas eu trato você como o filho que eu nunca tive, e tenho certeza que se eu tivesse eu pegaria o pirralho pela perna e jogava na parede. Sei que sou duro com você às vezes, mas me importo com você, porra!

       - Então por que você veio me pedir isso se vai ficar tentando me convencer de não ir?

      - Eu não tenho ninguém mais para pedir a não ser você, mas não queria que você fosse pela incerteza de você voltar ou não!

       - Se eu não voltar é lucro... Fica tranquilo, velho. Eu vou voltar. Ainda vou ser padrinho do seu casamento. - Disse levantando e indo para a sacada.


        Don fez uma pequena pausa, levantou e o seguiu. Jogou o charuto para fora e se apoiou no parapeito.


       - Bom mesmo, garoto. A patroa gosta de você, mesmo não te conhecendo. Ela sabe que você é o que salva esse trabalho de ser um chute no cu. - Don tirou o coldre de seu cinto e o deixou em cima da cadeira perto do parapeito. - Isso vai vir a ser útil. Mesmo que já tenha a sua, essa é especial, e como sabe, uma a mais nunca é incômodo.

       - De fato. - Olhou brevemente para a arma no coldre. - Assim ao menos eu sei que você não quebra a cara de mais ninguém na delegacia. Não até eu voltar, pelo menos. - Olhou novamente para Don, que se mantinha focado na rua.

       - Ah você me conhece. Dentro da delegacia pode até ser, mas fora não. Eu não me aguento. Porém agora pelo menos eu tenho um motivo pra ser um pouco menos...eu...sabe?

       - A Rachel sempre consegue te deixar no modo "policial bom", eu sei. Fique tranquilo, velho. Vou te manter informado. Assim que possível irei à Lenora.

       - 

Cerco KafkianoWhere stories live. Discover now