A calmaria que antecede a tempestade

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       O dia começara, a luz entrava pela janela de seu quarto, mas desta vez acordara com o barulho do telefone tocando, o que não era comum não só por nunca receber telefonemas tão cedo ou qualquer telefonema, mas porque era um telefonema de Don, que não sabia nem que tinha seu número.


- Bom dia, raio-de-sol! - Don mostrava animação antes das 9 da manhã pela primeira vez na vida.

- Dia. - A falta de expressão demonstrou que acabara de acordar

- Já está vindo para cá? Quero te entregar umas coisas. - Pelo jeito que falava, Don estava realmente de bom-humor nesta manhã.

- Acabei de acordar. Vou me arrumar e logo chego.

- Ótimo. Confie em mim, você vai gostar de vir para o trabalho hoje. - Logo após essa frase, Don desligou o telefone.

- Ou a noite dele foi muito boa, ou tá tendo "rinha" de novo. - Disse em meio a bocejos recolocando o telefone no gancho.


       "Rinha" é como chamavam as brigas clandestinas de prisioneiros organizados pelo capitão uma ou duas vezes por mês. Um método de calar a boca de soldados baixa-casta de gangues que gostavam de falar de forma agressiva com outros gangsters rivais. Eles se matavam na porrada, um deles morria ou ia parar no hospital por alguns dias, o outro voltava para a cela tão cheio de si que parava de gritar, a não ser que fosse para se vangloriar da vitória. Não preciso nem dizer que alguns policiais saiam com um dinheiro a mais no bolso no final do dia por causa de apostas. Todo mundo ganhava. Presos aliviavam a raiva, gangues eliminavam concorrência, policiais se entretinham.
       Camisa branca, calça preta. Sem gravata, sem chapéu. Apanhou as chaves, colocou o distintivo e saiu de seu apartamento. Manhã quente, seu limpo, porém um leve vento frio e fino como se cada sopro cortasse levemente sua pele. Entrou no carro, puxou as mangas da camisa e fez seu caminho para a delegacia, já pensando quanto Don ganharia em dessa vez. Demorou um pouco mais do que de costume, pois parou em um lugar para pegar algo para comer, mas chegou à delegacia antes de Don perder o humor.


       - Finalmente, rapaz! Já achei que tinha resolvido passar o dia em casa. - Don disse o empurrando para dentro de sua sala.

- Como tá a rinha hoje, velho? - Disse colocando a pasta no chão ao lado da mesa e a sacola em cima dela.

- Rinha? Quem me dera. Queria que você viesse pra eu te falar que hoje você não precisa trabalhar.

- Então por que diabos você não me disse no telefone hoje cedo? - Disse já fechando a cara.

- Calma. Se fosse só isso eu teria dito, né porra? - Don disse rindo um pouco.

- Então o que é? Seu bom-humor a essa hora não é normal. - Disse tirando dois sanduíches da sacola e entregando um a Don, sentando à mesa.

- Negociei com o capitão hoje para nos dar o dia de folga, assim posso te levar a um lugar. - Don deu uma mordida no sanduíche em meio a um sorriso.

- Como é que você conseguiu isso tão fácil?! - Disse engasgando com um pedaço do sanduíche. A carne parou por meio segundo na garganta e desceu. -  Aquele gordo pau no cu não deu folga nem para o Terry quando a mãe do coitado morreu! Ele teve que esperar até o fim do expediente para ver ela no hospital antes do corpo ser velado, e ela havia partido no início da manhã!

- Digamos que na próxima rinha eu vou perder 50% dos meus lucros. - Don disse dando uma piscada. - Só tem uma coisa que o seboso gosta mais que cabaré, e é dinheiro.

- Faz sentido, - Bateu levemente no peito e limpou a boca com um guardanapo - mas para você ter feito esse pacto com o diabo, deve ser algo importante pra caralho. - Disse olhando desconfiado para Don

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⏰ Last updated: Jun 26, 2020 ⏰

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Cerco KafkianoWhere stories live. Discover now