Prólogo

2.9K 269 19
                                    

As ruas de Paris estavam agitadas e barulhentas naquela noite de domingo... porém, não tanto quanto a mente de Bakugou. Do quinto andar de um prédio simples, num quarto escuro de paredes tão negras quanto o céu acima de sua cabeça estava um inquieto artista. Hora batucava os lápis de cor na mesa, hora pegava sua câmera, apenas para sentir o peso da matéria que segurava, pensando se uma investida contra a parede seria suficiente para quebrá-la. Partia pincéis ao meio, mas depois se arrependia, revirava o apartamento cada vez mais em busca de inspiração. Trocava móveis de lugar, tirava as cortinas-cor "cinza-morto" da entrada da varanda, procurava o mínimo objeto que fosse, pensando se aquilo daria uma boa composição em um cenário. Ficava horas e horas no Pinterest à procura de desenhos, pessoas, objetos, qualquer coisa que lhe desse o mínimo de ânimo, uma única luz. Quando não conseguia, descontava em suas coisas. Isso acontecia frequentemente... Alguns vizinhos até pensavam em chamar a polícia, outros pensavam em bater à sua porta pedindo-lhe que não fizesse tanto barulho a essa hora da noite. Porém, estes conheciam o vizinho que tinham e sabiam que qualquer uma das duas opções só pioraria o estado de fúria daquela besta. A noite parecia durar décadas para o loiro que, mesmo arrebentando tudo que via em sua frente, ainda não se sentia satisfeito. Mas por trás daquela fúria toda, havia um sentimento de incapacidade e uma dor tão profunda quanto a de um luto. Estava perdendo grande parte de si mesmo, não havia mais nada que lhe trouxesse prazer. Havia perdido seus gostos, suas paixões e estava aos poucos abandonando sua arte. Fotos, pinturas, um simples rabisco... não conseguia nada, nada bom o suficiente, nada que desse o mínimo de prazer e satisfação em fazer. Sentou-se na cama cheia de tralha e colocou sua cabeça entre as pernas respirando fundo. Encarou o chão e as coisas sobre ele. Milhões e milhões de folhas, algumas com desenhos fantásticos, outras apenas uma grande forma rabiscada sem propósito, feita num momento de raiva. Inspirou fundo girando nervosamente seu anel de inox com o indicador, levantou sua cabeça e em passos lentos se dirigiu à sacada.
Pegou o celular do bolso do pijama de frio e pensava se deveria avisar Todoroki sobre o que havia acontecido. Era ele que sempre o acalmava e o incentivava a não desistir de si mesmo. ... Mas resolveu não incomodar, afinal não era como se ele não conseguisse lidar com aquilo sozinho.
  A vista da varanda era agradável; Bakugou sentia uma leve paz o invadir ao olhar a bela cidade em que morava. A luz das placas neon refletindo sobre poças de água formadas por uma chuva suave do outro dia, o cheiro de comida quentinha, a claridade que saía das janelas dos edifícios... mesmo que fosse uma poluição luminosa e o impedisse de ver as mais brilhantes estrelas, ainda era lindo. Virou-se novamente para seu quarto pensando na bagunça que fizera e o tanto que ainda teria de fazer para pôr tudo de volta no lugar... Mas por hora, limitou-se a apenas se camuflar no meio da anarquia sobre sua cama. Chutou algumas coisas com o pé para fora, se remexeu de um lado para o outro até se sentir confortável e logo adormeceu.

...

Soprando a fumaça do cigarro para longe, Bakugou fechou os olhos. Queria mesmo era soprar a frustração que habitava em seu ser, mas isso não seria possível. Todoroki estendeu-lhe um donut de morango tentando acalmar a bagunça interna que era aquele loiro.
 
"O que exatamente... você... pensa em fazer?" Dizia pausadamente com as bochechas cheias logo mordendo mais um pedacinho daquele paraíso doce.

 Bakugou encarava o doce com um certo receio, jogou o cigarro no chão o apagando com a sola do tênis, e o mordeu fazendo uma careta. Amargo e doce se misturaram em sua boca.

 "Ainda não sei."Disse deixando o doce de lado suspirando fundo.

Puxou do bolso um pequeno caderno de desenhos, aquele era o único que sobrara e nunca havia o usado de fato. Era um caderno roxo, meio vagabundo. Tinha apenas umas noventa folhas nele, ainda que algumas pareciam que se soltariam em breve, este foi resultado de uma compra enganosa. Pensava seriamente em jogá-lo fora, mas... por algum motivo, sentia que aquilo era tudo que lhe restava.

...

Escuro, era o que resumia sua vida. Seu quarto escuro... raramente saía de lá. Izuku Midoriya não se sentia bem, nunca se sentia bem. Sua vida se resumia a degradês de preto e branco... tudo tão escuro quanto preto e logo tão inocente quanto o branco. Mal conseguia se enxergar em meio àquele breu, fazia meses que não se lembrava de sua própria face ou mesmo de sua voz. Apenas conseguia sentir o calor de seu próprio corpo, enrolado sob várias camadas de cobertas. Sentia vontade de nada, não enxergava as cores do mundo. Até mesmo um único raio de sol que ousasse desafiar as enormes cortinas escuras já incomodava seus olhos verdes ofuscados pela tristeza. Apagados, eu diria... Um som saía de trás da porta de madeira, algo como "Toc" seguido de um "estamos preocupados..." Ouvia isso frequentemente de seus amigos. "Você pode tentar hoje, se quiser...", Izuku não a ouviu terminar a frase, mas deduziu, pelos soluços altos vindos de trás da porta, que ela estava chorando novamente.

"O que Ochako quer dizer é que... pegar um pouco de sol seria benéfico. É saudável para o corpo e para a mente", disse Iida com a voz rouca, indicando que ele também havia chorado.

Midoriya fechou os olhos, imaginando como seria sair. 'Como está o dia hoje?' pensou consigo mesmo. Com um longo suspiro, fez um esforço. Ao levantar da cama, cada parte mínima de seu corpo implorava para que voltasse, mas ouvir Uraraka chorar lhe partia o coração. Decidiu se esforçar mais pelas pessoas que amava e que se dedicavam a ele. Quanto mais se aproximava da porta, mais percebia que perdera a noção do tempo há muito tempo. Ao abrir a porta e sentir uma brisa gélida invadir seu quarto e seu ser, fechou os olhos com força, tanto pela luz que incomodava seus olhos quanto pelo arrependimento de ter saído.

Iida e Ochako encaravam o garoto à sua frente. A pele pálida, os olhos fundos e sem vida, um sorriso vazio e levemente doce. Izuku era triste, uma criança triste. Olhando bem, poderiam dizer-lhe que havia uma imensa falta de serotonina em sua alma."

Sweet ArtOnde histórias criam vida. Descubra agora