Terapia e Arte

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"Como têm sido esses últimos meses pra você?" - Perguntava uma mulher idosa, sentada em uma cadeira alta. Seus pés não tocavam o chão.

Izuku suspirou fundo.

"Bons, eu acho?" - ponderou, e logo procurou algo interessante para repousar seus olhos, falhando inutilmente. Se encontrava deitado numa sala fria projetada para ser aconchegante, porém lá apenas havia paredes muito brancas, uma estante com livros que Izuku tinha certeza que sua psicóloga jamais tocara, e sua mente... "Iida e Todoroki se aproximaram bastante, Ochako e Bakugo vivem em uma guerra fria, porém acho que se dão bem." - Disse baixinho e um pouco triste e desinteressado.

A psicóloga batia o lápis na caderneta em ritmo. Faziam 3 meses que começara a tratar sua depressão... os remédios o deixavam um tanto cansado, o que o preocupava. Sentia medo de perder-se ainda mais em meio a tantos panos que colocara sobre sua alma para sufocar a podridão daquilo que ele se considerava. Nesses 3 meses não havia contado nada do seu passado, nada realmente relevante.

"Certo!" - a psicóloga anotava cuidadosamente em seu bloco de notas. O som do "risco-risco" do lápis e a forma agitada que a pequena mulher balançava as pernas o faziam lembrar de Bakugo quando estava concentrado. "Mas e quanto a você? A relação dos seus amigos com você? Como era antes? Como é agora?" - perguntava impaciente. Izuku sentiu os olhos acinzentados, cansados da mulher o olharem. Ela queria penetrar na névoa que havia dentro de si. Até onde ele poderia contar? Mirou os olhos nos ponteiros do relógio. Ainda faltava 27 minutos para a sessão acabar...

"Bom, Iida e eu nos conhecemos desde a infância, ele me ajudava com as provas e os estudos... já Ochako era uma menina doce que sempre gostava de cuidar dos outros, então a conheci na enfermaria da escola quando machuquei o joelho jogando queimada." - desviou o olhar. A verdade era que tinha conhecido Ochako no hospital, no dia em que tentou suicídio pela primeira vez... conteve as lágrimas e a voz trêmula ao falar.

Chacoalhou a cabeça tentando não pensar muito nisso. "Conheci Bakugo e Todoroki a uns 9 meses atrás, ou algo assim. Eles saem às vezes todos juntos, quase todos eles, no caso... eu prefiro ficar apenas posando... com Bakugo." - Sentiu-se ficar vermelho ao perceber que apreciava a sensação dos olhos do outro percorrendo seu corpo, parecendo enxergar toda a névoa que circulava seu espírito. A princípio, foi isso que chamara atenção em Bakugo, ele parecia ser o único a perceber verdadeiramente o quão melancólico era Midoriya, e ele apreciava essa sensação... porém, seus quadros traspassavam outra coisa, uma coisa bonita, um Izuku diferente... talvez o Izuku que ele almejava ser. Era bonito, mas mais do que bonito, era libertador, como se alguém finalmente prestasse atenção em si. "Porque achei que você ficaria melhor assim", sorriu vagamente ao lembrar dessas palavras... Mas ainda havia algo que o preocupava um pouco...

"Todoroki... Me conte mais sobre ele." - Olhou a senhora por cima dos óculos com um olhar de reprovação.

"Todoroki... bom... é muito amoroso, até demais." - Se engasgou entre as palavras. Não gostava de falar sobre o passado nem sobre si mesmo, mas falar sobre novas pessoas e novas ideias, certo? "Bakugo não me conta muito sobre ele, apenas sei que tiveram um relacionamento breve em algum momento do passado, e que Todoroki, em outro momento, foi uma tentativa de inspiração que não deu muito certo. Sei que vez ou outra ele se emociona um pouquinho, cria cenários na cabeça dele e começa a viver como se tudo fosse um romance de novela onde todos amam ele. Mas eu entendo, cada um tem seus próprios problemas... Só fico preocupado até onde a carência dele pode chegar às vezes..." - fechou os olhos. "Todoroki é de muitas formas enigmático, mas a palavra certa eu acho que seria..." - procurou tentar não ofender o amigo, o que foi em vão quando soltou uma risadinha sincera ao ouvir "Carente" sair dos lábios da sua psicóloga.

Bakugo andava de um lado para o outro, batendo com o pé no piso, impaciente, brincando com o cigarro na boca de braços cruzados, olhando o movimento da rua esperando ver do alto da varanda cabelos verdes esvoaçantes soltarem fios que caíam no chão juntamente com as folhas secas do outono. Deu uma puxada forte no cigarro e olhou para o crepúsculo impaciente. As primeiras estrelas já começavam a aparecer e nada de Midoriya...

Sabia que ele havia começado a fazer terapia há pouco tempo... por um lado, Bakugo se sentia feliz em ver que sua arte, de certa forma, mesmo que minimamente, estava se tornando real, com Izuku ganhando um rosto mais feliz a cada parcela de tempo que se passava... mas ao mesmo tempo temia que a linha artística que os conectava rompesse por não ver mais aquilo que lhe encantou ali. Aquele sentimento que ambos compartilhavam, exposto nos olhos como a Mona Lisa no museu do Louvre, todos podem ver superficialmente, mas pouquíssimos conseguem entender, apreciar, sentir... Seu sangue subia de excitação, e as batidas do pé no piso da varanda se tornaram mais frenéticas. Estava louco para pintar, para descarregar tudo...

A porta se abriu, e o garoto desajeitado, com um sorriso tímido, entrou rapidamente pela porta, fazendo alguns papéis que estavam espalhados pelo chão voarem. Colocou a mochila desajeitadamente no sofá e correu para o quarto de paredes negras.

Bakugo o olhou com um sorriso medonho.

"Vamos começar!"

Izuku estava deitado sobre a cama, com lençóis enrolados no corpo, os cabelos soltos e bagunçados, olhando para o teto. Aquela cama macia estava lhe dando um pouco de sono, teria que admitir, mas se dormisse, Bakugo provavelmente o repreenderia. De repente, sentiu falta de algo...

"Onde está o Todoroki?" - perguntou, tentando se mover o mínimo possível.

Bakugo pensou um pouco, como se não quisesse responder, mas no fim sentiu que devia uma explicação. "Por aí... você sabe como ele é... Disse que quando acabasse me traria mais tinta e viria ver como você está." - disse vagamente. No fim, não respondeu a Midoriya.

Izuku não conversava muito com Bakugo enquanto posava, tanto por ser tímido quanto pelo loiro não dar brecha. Conhecia-o bem ao ponto de saber suas manias, do que gosta, do que não gosta (que era quase tudo inclusive), sabia suas motivações artísticas e sabia levemente o que Bakugo almejava. Mas até o momento, sua relação com ele era puramente "trabalho". Claro que toda essa experiência despertava nele sentimentos fortes, mas achava que tudo isso era puramente unilateral. Se falasse para Bakugo o quanto amava sua arte, que se sentia visto e confessasse todos os seus pecados para que ele exorcizasse tudo com uma explosão de cores felizes, que gostaria de se olhar no espelho como olha para os quadros...

Bakugo riria dele, pois, para o loiro, era apenas "trabalho", apenas um menino triste com um cabelo verde.

Ao menos era isso o que ele achava...

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⏰ Última atualização: Dec 17, 2023 ⏰

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