Capítulo 2: O Dragão e a Princesa

7 1 0
                                    


— Acorde menino, venha me ajudá com o serviço!

A primeira coisa que eu vi assim que abri os olhos foi uma mão muito enrugada estapeando-me no rosto. Era a única maneira — meu sono faria aniversário se ela não me acordasse dessa forma.

Sentei-me na beirada da cama, inebriado pelo aroma do almoço, incomodado pelo barulho da panela de pressão. O sol já não entrava mais por minha janela, o que indicava que as primeiras doze horas do dia já haviam se passado.

— Coma primeiro, depois vô tentá fazê uma coisa. Vamo se dá certo!

Almocei. Como pode purê de batata ser algo tão delicioso e imune de obsoletismo? Minhas mãos apoiavam-se na antiga mesa de madeira, cientes do quão bem alimentado meu corpo estava. Minha avó lavava a louça quando coloquei meu prato e talheres na pia e corri para brincar entre as árvores.

— Me traga aquela corda e aquela tábua. — Ela juntou-se a mim, parando em frente a um galho baixo de uma das goiabeiras. — Ali, do lado da árvre! — As mãos na cintura indicavam cansaço, assim como o corpo corcunda pendendo para trás.

Tanto a corda quanto a tábua estavam um pouco sujas de terra. Peguei-as com cuidado e entreguei-as nas mãos de minha avó.

— Ô vó... — Curioso e, ao mesmo tempo, cuidadoso, tentei perguntar sem atrapalhá-la, mesmo sem entender o que ela estava fazendo. — Quantos anos tem essa árvore?

Essas goiabeira? — Ela parou por um instante e olhou em volta, pensando. — Ah, elas já são muito véia já! Deixa eu pensá...

Depois de alguns segundos, a resposta.

Nóis viemo pra cá em 82... Já vai fazê vinte e oito ano!

— Nossa, eu ainda não tinha nem nascido!

— Pois é! Sua mãe ia fazê doze ainda. Alembro que foi logo que sua tia desmamô. Mamô até os quatro ano, a disgramada!

Em meio a meus risos, minha avó voltou a atenção para a corda e a tábua. Mesmo sendo muito novo, a ideia de tempo sempre me foi curiosa. Aquela planta tinha idade para ser minha mãe! Ou talvez meu pai — dependendo se a planta era homem ou mulher.

Eu subia em árvores enquanto minha avó trabalhava. É claro que o conceito de "subir em árvore" é diferente quando se é um menininho medroso, mas tudo o que importava no momento era a sensação de aventura que aquilo me trazia.

— Pronto! Venha cá, veja se bão a artura.

Minha avó havia me construído um balanço! Tive medo de início; aquilo não me parecia muito seguro, afinal era apenas uma corda e uma tábua, mas eu tive vergonha de recusar o presente que ela havia feito com carinho.

Sentei-me no balanço e, para minha surpresa, me pareceu muito divertido daquele ângulo.

— Tá bom sim, vó.

— Ah, então tá bão. — Ela me olhou por alguns instantes. — Agora saia, deixe eu apertá mais pá ficá bem firme.

Ela apertou mais os nós que prendiam a corda à tábua e também os que prendiam o balanço à árvore. Depois, enquanto eu aproveitava o novo brinquedo, sentou-se num tronco que havia ali perto e manteve-se ocupada descascando limas que mais tarde virariam um doce, no qual eu desenhei um rostinho feliz com meus dedos. A travessura me rendeu alguns gritos de desaprovação que foram ficando cada vez mais baixos à medida em que eu corria para o quarto, fechava a porta e ligava meu videogame.

Unhas ao Fogo [AMOSTRA]Where stories live. Discover now