Hibisco

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Lili estava agitada aquela madrugada e se ela não dorme, significa que eu também não. Até tentei, mas ela realmente não queria me ver quieta. Eu andei um pouco, acariciando a barriga, tomei um chá, me estiquei e até cantarolei na varanda. A minha voz não estava a acalmando mais e só restava as melodias de Dante, mas ele não estava para tocar, então coloquei os fones de ouvido ao redor da barriga e nem assim ela pareceu se acalmar, sempre quando eu começava a pegar no sono, lá estava a pestinha se movendo de um lado a outro dentro de mim.

Havia acabado de entrar nos oito meses de gravidez, completando trinta e duas semanas e sentia que minha barriga iria explodir a qualquer momento, mas ainda faltava mais cinco semanas para eu entrar em estado de alerta e espera. Ao mesmo tempo em que a queria em meus braços logo, eu sentia um desespero me tomar só de pensar que faltava tão pouco para isso acontecer e eu não tinha nem mesmo o berço todo montado, quem dirá todos aqueles requisitos que se espera de uma mãe.

Sábado seria o último concerto de Dante, por isso ele estava ensaiando como um louco, parecia não ter tempo para nada, só voltaria para casa de tarde e eu não aguentava mais toda aquela festança na minha barriga. A sacola com roupas para doação, que tínhamos separado na noite passada, estava perto do guarda roupa e enquanto eu praguejava meu marido, uma última ideia me apareceu e mentalmente eu agradeci ao cabeça oca por ter esquecido de levá-la aquela manhã.

Coloquei meu vestido e um sobretudo, arrumei minha bolsa, prendi meus cabelos e saí com a esperança de que o plano desse certo. O dia estava gelado, mas o sol aos poucos foi esquentando, o que tornou o clima adorável, principalmente dentro do bairro.

Estava quase chegando a farmácia onde deixaria a sacola de doações, quando tive que esperar o farol abrir no cruzamento. Até ali, Lili tinha se comportado bem e eu fiz um roteiro mental para nós duas enquanto esperava a luz verde aparecer. Atravessei a rua e faltavam apenas alguns passos para alcançar a farmácia quando a alça da sacola estourou e algumas roupas foram ao chão.

Com a barriga daquele tamanho foi quase uma missão impossível abaixar, mas eu não precisei já que um menino pequenino e bochechudo, vestido de super herói veio correndo me ajudar.

"Não tenha medo, moça bonita, eu estou aqui para ajudar!" ele disse antes de se abaixar e recolher todas as roupas. "Nossa, a sua barriga é bem grande, parece até uma bola de basquete."

"Parece, não é?!" eu ri da reação dele. "Mas, na verdade tem um bebê aqui."

"Um bebê?" ele fez uma careta. "Igual a minha irmã chorona?"

"Você tem uma irmã bebê?" 

"Ela só chora e faz bomba de coco toda hora." ele tapou o nariz depois de me entregar o punhado de roupa. "Se você vai ter um bebê também, é melhor se preparar para o coco…" 

"Ah, eu vou me preparar. Obrigada por ajudar, senhor super-herói!" acariciei seus cabelos ruivos e assim ele se foi seguindo de volta para o casal com o bebê no fim da rua.

Ajeitei as roupas de volta na sacola, mas fiquei estática ao perceber o vestido amarelo em meio as camisas velhas de Dante. Aquela era uma das poucas peças que eu tinha de quando era criança, não me lembrava de ter colocado ali entre as roupas para doação, mas cogitei colocar de volta na sacola, enquanto olhava bem para os detalhes laranja ainda intactos, mesmo depois de todos os anos. Comecei a dobrar o vestido, mas de um dos pequenos bolsos caiu um cartão dourado, que por sorte repousou sobre a sacola e eu não precisei me abaixar tanto… 

A primeira vista eu pensei ser um dos inúmeros convites que Dante estava trabalhando na semana passada, então apenas guardei dentro da minha bolsa. Quanto ao vestido, fiz o mesmo, imaginei que Dante tivesse colocado ele em meio às roupas, mas não era o tipo de peça para isso, havia lembranças demais cravadas naquele tecido.

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