Quando eu te disse adeus

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Os momentos mais intensos são aqueles que conseguem nos prender por completo e associar cada detalhe circunstancial ao espaço. A goteira insistente e frenética parece associar-se ao cair acelerado das minhas lágrimas. Com os joelhos encolhidos e envolvidos pelos braços, me encontro pelo o que julgo ser a milionésima vez – apenas porque desisti de contar – sentada sobre a tampa do vaso sanitário em uma das cabines do banheiro feminino, enquanto o mundo externo segue alheio a orquestra melancólica sob a quase perfeita sincronia entre o som do meu choro e da goteira no teto.

A pior parte não é nem de longe a minha deplorável situação, senão a vontade equívoca que a única pessoa com quem creio poder contar, esteja aqui para enxugar minhas lágrimas, porém, sei que não pode, não quando foi ela a provocar a torrente em meus olhos. A frustração hedionda não está no fato que eu corri como louca até aqui porque não queria ser vista chorando, mas sim a frequência com o que isso acontece... E ter ciência disso não me parece suficiente. Não quando sei também que assim que sair do banheiro, no mesmo momento em que o sinal para a saída da escola ecoar pelos corredores, Estela Montgomery me procurará movida pela indignação, como se tivesse o direito de senti-la, e me questionará sobre meu suposto comportamento, dirá supostas sinceridades não solicitadas, empinará o nariz num ar de superioridade e sairá em passos pesados.

Sou completamente capaz de imaginar os eventos seguintes, contanto, o que me incomoda não são eles, mas o fato de que os conheço, mas ainda assim, não consigo evita-los. Tenho o poder de mudar o futuro, mas apenas não me sinto capaz de fazer isso. E nada me parece tão decepcionante quanto. Quer dizer, só Estela é quase capaz de superar esse "Ranking Decepção", quase porque consigo ser mais ainda. Droga, eu sei quem ela é, sei do que é capaz, mas ainda assim não me parece o bastante. Talvez porque o problema esteja comigo, afinal, não sinto como se soubesse quem sou ou do que sou capaz. Não sinto como se pudesse enfrenta-la de verdade.

Realmente não sinto, mas eu sei que posso, embora, isso também não me pareça suficiente.

Quando não consigo mais derramar nenhuma lágrima, quando sinto que, quem sabe, extravasei tudo aquilo que desejo explanar, mas não me aparento motivada a fazê-lo. Abro a porta da cabine e me abstenho da costumeira agonia sempre que ouço o som enferrujado das dobradiças trabalhando, caminho até a pia e encaro enfadonhamente meu reflexo no espelho relativamente sujo.

Simplesmente patética. Me seguro para não rir satiricamente. Meus olhos inchados avermelhados em conjunto com meu rosto se comparam a uma derrota, mas nem de perto exemplificam o fracasso desse momento. Fito o reflexo da íris dos meus olhos e procuro a alma do outro lado. Afinal, quem é você, Helena Escobar? Quando se tornou essa pessoa? E o que é essa prisão emocional onde você vive? Do que adianta saber que está presa se ao menos consegue fazer algo a respeito?

Conseguir..., mas espere, eu já tentei?

Antes que eu possa responder à minha pergunta monologa, ouço baterem à porta trancada do banheiro, privando-me do meu breve momento de miséria sem filtro.

Oh, dá pra abrir essa porta? Você é a dona do banheiro agora? — Uma voz que fingi não ter reconhecido soou aparentemente inconformada do outro lado.

Ao mesmo tempo que dou leve batidinhas nas bochechas, limpo a garganta na intenção de disfarçar o provável embargo na minha voz caso eu decida abrir a boca. Quando estou a caminho da porta, novamente batem, só que com mais força. Giro os olhos.

— Cacete, já vai. — Resmungo para mim mesma, então, abro a porta num solavanco e em igual velocidade me deparo com a imagem relativamente alta, imponente e confiante de Estela. Fecho a cara, muito embora sinta o nervosismo me abraçar.

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⏰ Última atualização: Sep 07, 2019 ⏰

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