Relógio Azul - A Sombra e a Terra do Nunca

Um

Terra do Nunca – Ilha da Caveira

     – Mandou me chamar? – questionou ao entrar naquela grande sala de pedra.

     – Príncipe Tigre, chegou rápido. Como anda a aldeia Piccanniny? – a voz de Sombra era baixa e um tanto rouca, mas não era nem um pouco confortável. No fundo, todos tinham medo dele. Sombra não aparecia muito, na verdade era bem raro se encontrar com ele, não que nunca tenha sido, mas diziam que nem mesmo com Peter ele conversava mais. Mas independente de quanto ele saia da Ilha da Caveira (que sinceramente deixava o príncipe um tanto quanto... Apreensivo), ele sempre sabia de tudo que acontecia na Terra do Nunca.

     Outra coisa que o príncipe achava realmente estranha era seu nome... Sombra? Claro, ele se chamava Tigre, mas tinha haver com ele. Já o Sombra, sempre estava na caverna de pedra, sempre no canto da sala com vários objetos esquisitos, falando sozinho. Às vezes era impossível de enxergá-lo, talvez, pensou o índio, seja por isso seu nome, ele se camufla bem. Sombra não era alguém que se possa descrever, era como se ele parecesse com todos os meninos perdidos ao mesmo tempo, só que um pouquinho mais alto, muitas vezes confundira Sombra com Magrelo, ou com o Dino. O príncipe Tigre não ousou falar para ninguém, iriam tachá-lo como louco, mas ele jurava que uma vez havia acordado e viu ele mesmo dando o maior sorriso possível e depois desaparecer no canto do quarto.

     – Você provavelmente sabe como as coisas estão, prevemos uma guerra. – disse cruzando o braço.

     – Ah Tigre, você consegue fazer melhor. Afinal, é um pele-vermelha da aldeia dos Piccanniny, certo?

     Os índios peles-vermelhas da aldeia dos Piccanniny eram considerados os mais sábios, com os melhores conselhos e melhores previsões, e Sombra estava duvidando de seu povo, não que isso fosse novidade. Sombra sempre fazia isso quando qualquer pessoa hesitava em lhe contar o que sabiam de verdade.

     – Príncipe... – no canto da parede, pode ver os pés que pareciam ter dançado em tinta preta a noite inteira. – Lembre-se que eu cuido da Terra do Nunca a anos. Não sei por que tem tanto medo de mim, sinceramente ando um tanto... Cansado. – disse após soltar uma leve risada que preencheu o local. Se aquela era uma tentativa de fazer com que a situação ficasse mais amigável, havia dado completamente errado.

     – Sombra, o assunto de minha aldeia pertence apenas ao seu próprio povo, se quer que eu seja sincero, não gosto de você como líder. – o príncipe Tigre sorriu, gostava quando conseguia silenciar alguém sem precisar da força bruta, isso provava o quanto ele era forte, só não gostava quando não tinha mais ninguém para presenciar seus atos.

     – O que você quer dizer com isso? – o príncipe pulou ao ouvir a voz atrás de si. – Talvez você devesse ficar comigo por mais um tempo – bocejou –, a Ilha da Caveira pode ser bem confortável, por mais que não pareça...

     – Não! – se virou na direção de Sombra enquanto segurava consigo um amuleto feito a mão, diziam que o protegia de maldições e energias ruins. Não pensou duas vezes antes de trazer consigo ao ser informado de que Sombra queria vê-lo.

     Não era novidade que o príncipe não gostasse de Sombra, ele deveria ser carismático como líder, e tomar decisões seriamente, mas passava a maior parte do tempo brincando com os meninos perdidos e na Pedra do Desterro. O que, para os Piccanniny, o tornava mais estranho e menos confiável. Ninguém sobrevivia naquela pedra. Primeiro porque ficava dentro do lago das sereias, e já era bem difícil se manter vivo quando se estava próximo de alguma delas, a pedra ficava bem no centro e por mais que se chegasse lá vivo a água começaria a subir não te dando saída ou escapatória, porém Sombra sempre voltava. Fora o lugar onde vivia. Não era em nenhuma floresta, nenhuma árvore, nenhuma casinha de madeira. Era na Ilha da Caveira, dentro da caverna de pedra, o lugar amaldiçoado pelas mortes das fadas. Não gostava de acreditar nas lendas sem pé nem cabeça de seu povo, mas sempre tinha aquele pequeno "E se".