O malocão da aldeia Warara'pai nunca estivera tão lotado. O sol acabara de surgir detrás da serra do Ingapirá. Parentes de comunidades vizinhas se deparavam na reunião que estava por acontecer. Haviam chegado à noite anterior. Encontravam-se presentes os sábios Taurepang das aldeias Sorocaima, Tarau Paru e Umîî Paruru, a Oeste. Também foram convidados os discretos Wapichana da grande aldeia Igarumã, e da aldeia mais longínqua, Samã, extremo Sudoeste. O povo guerreiro Makuxi estava sendo representado pela aldeia Kurikaka e pela aldeia anfitriã da assembleia, Warara'pai, a Nordeste, próximo ao berço do Monte Roraima.
Fazia tempo desde a última vez que os três grandes povos que habitavam as terras de Makunamî haviam se reunido. Na ocasião desse encontro, os tuxauas e pajés das três etnias predominantes da região selaram um pacto de paz, e distribuíram as terras de forma que cada povo pudesse viver de acordo com sua cultura e costumes, em harmonia com a natureza. Os pescadores Wapichana ocuparam as planícies entre os rios Surumu e Parimé, uma área de muitos igarapés e lagos. Os lavradores Taurepang tomaram a base da grande serra de Pacaraima, uma área de savana pedregosa com boas terras para o cultivo de mandioca, macaxeira, banana e milho. E para os caçadores Makuxi, os planaltos e áreas de florestas, fartas em caças de todos os gêneros, satisfizeram suas ambições. Este acordo perdurava por vários ciclos de geração, desde o tempo do grande líder Makuxi, Tuxaua Kanon.
A beleza das cores e formas das vestimentas e adereços, com características distintas entre as três etnias, demonstrava um espetáculo à parte. Os anciões, pajé e lideranças Makuxi ostentavam muitas penas e sementes em seus artesanatos. Cada peça indicava qual posição hierárquica e dever, o membro exercia na tribo. Usavam saias feitas com fios de fibras de palha de buriti. Em sua maioria, o tórax permanecia desnudo, apenas ornamentado com longos colares. Alguns indivíduos, como pajé e anciões, exibiam verdadeiros coletes constituídos de sementes trançados com fibras de cipós e palhas. Os caçadores cobriam o mínimo do corpo com vestimentas e colares, buscando ornamentá-los com pinturas que os camuflassem na densa floresta. Os Wapichana, independente da posição social, trajavam tapa sexo em formato de retângulo feito com tecidos criados a partir de lâminas do tronco de bananeiras, tingidas de vermelho com urucum. O peito era ornamentado com belíssimas pinturas corporais onde predominavam a cor vermelha, sendo os rostos de todos caracterizados com pinturas que os diferenciavam quanto à posição e função dentro da aldeia. Outra característica marcante deste povo eram os longos cabelos negros, que tanto homens e mulheres exibiam. Os Taurepang destacavam-se devido as suas vestimentas que, confeccionadas com couro de animais, eram costuradas e cobriam praticamente todo o corpo, tendo inclusive proteções para os pés em formato de sapatilhas. Isto se dava devido às baixas temperaturas que acometiam as serras aonde viviam, além do terreno pedregoso que afligiam os pés. Os artesanatos eram em sua maioria feitos com peças de madeira entalhadas, exibindo as mais diversas formas e tamanhos. Poucas cores eram usadas pelo povo Taurepang, apenas uma pequena parcela da população permitia-se colorir sua vestimenta e adereços, em uma manifestação de poder e experiência na estrutura social da etnia, onde, o mais sábio e poderoso membro, o pajé, exibia as mais vivas e lindas cores em seu corpo. Porém, o que chamava mais atenção eram os artefatos que somente os pajés tinham o direito de carregarem. Eram espécies de borocas, mochilas, onde guardavam suas ferramentas e ervas de pajelanças. Essas borocas eram passadas de pajé para pajé, em um ritual que além de reconhecer o indígena nesta posição social, o fazia conhecido por onde passasse.
Porém, o motivo do atual e histórico encontro tinha outro ponto a ser tratado. Desta vez o impasse não envolvia disputas entre as etnias. A ameaça vinha de um povo que historicamente ocupavam as terras, de forma gradativa e sistemática, empurrando as fronteiras indígenas, diminuindo cada vez mais as extensões das áreas em pequenas ilhas. Mas agora a invasão seria audaciosa e perigosa. Iriam cortar toda a região indígena pelo meio. Sem acordo e nem aviso prévio, simplesmente estavam ocupando toda a área e avançando impiedosamente e rapidamente. Ação típica dessa etnia, um povo dominador, os karaiwa, ou simplesmente "brancos".
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PATAA' MAIMU - VOZES DA NATUREZA
FantasiEm algum tempo passado, na Terra de Makunaimï, uma sombra de destruição se aproxima. Florestas frondosas, lagos e rios, animais e os habitantes da Serra de Pacaraima passarão por uma provação que há séculos não se repetia: impedir a destruição da Na...