Peguei na minha pasta, de cabedal preto já gasto, que com tinha todos os materiais necessários à aula para a qual me estava a preparar e abandonei o dormitório. Envergava o habitual uniforme do reformatório, como todos os dias, e caminhei num passo apressado para a sala do piso superior, onde ia decorrer a minha aula de Literatura. Os nós dos meus dedos tocaram três vezes na porta de madeira com o número ‘26’ gravado na mesma. A minha mão foi levada até à maçaneta da porta e assim a abri entrando mais tarde na sala já ocupada por todas as raparigas com as quais eu partilhava o quarto.
“Que este atraso não se volte a repetir menina Emmaline.”
Mr. Hemmings falou num tom autoritário e severo enquanto eu, caminhava em direcção ao meu lugar. Limitei-me a assentir para evitar uma discussão e retirei da minha pasta o típico caderno pautado , uma esferográfica, uma borracha e um lápis. Abri o caderno e arranquei do mesmo uma folha limpa. Segurei o lápis entre dedos e deixei que o carvão vagueasse por aquele pedaço de papel deixando sobre o mesmo, desenhos desleixados. Abstractos. A partir daquele momento deixei de prestar atenção a tudo o que me rodeava. A aula de Literatura decorreu normalmente e os pensamentos que estavam presentes na minha mente apenas se focavam naqueles desenhos.
“Onde está a resolução dos exercícios que eu mandei fazer menina Emmaline?”
O meu olhar foi rapidamente focado no rosto masculino que agora me observava com toda a atenção e esperava impacientemente uma resposta. Levei o interior da minha bochecha entre dentes e mordisquei-o. Tique que tinha quando encontrava nervosa.
“Venha falar comigo no final da aula e agora resolva os exercícios que estão no quadro.”
Mr. Hemmings afastou se da minha carteira e sentou-se na sua cadeira esperando que todas nós acabássemos a resolução dos exercícios.
Presumi que aula já tinha acabado quando vejo todas as estudantes arrumarem as suas coisas e saírem da sala. Acabei a resolução do último exercício e todo o meu olhar percorreu a sala que estava vazia. Apenas estava Mr. Hemmings presente. Apenas nós. Arrumei apressadamente todos os meus materiais e voltei a arrancar uma folha do caderno e segurei a minha esferográfica entre dedos. Aproximei me da secretária da figura masculina que estava a preencher atentamente a folha de presenças. Vejo-o a pousar a esferográfica sobre a mesa desleixadamente. Segurava a minha pasta contra o peito enquanto olhava de pé Mr. Hemmings.“Sente-se.”
Ele pronunciou de uma maneira fria e eu realizei o seu pedido. Sentei me na cadeira em frente à sua secretária e pousei a pasta sobre as minhas cochas esperando ouvir o que Mr. Hemmings queria dizer.
“Quero que se encontre comigo hoje às onze da noite no jardim”
Numa questão de segundos, imensas perguntas invadiram a minha mente. Peguei então na esferográfica e escrevi uma simples frase no pedaço de papel. Sim, eu era muda. Apenas os meus familiares e professores sabiam.
“Porquê?”
Entreguei-lhe o papel esperando ansiosamente uma resposta.
“Não faça perguntas. Simplesmente venha.”
Ao final de alguns segundos assenti e levantei me da cadeira arrumando-a na posição inicial. Caminhei então em direcção à saída e encostei a porta da sala. Tentar perceber o porquê de Mr. Hemmings me ter pedido para ir ter com ele ao jardim ia ficar decerto na minha mente durante bastante tempo. Mas, a única solução que tinha, era esperar. Olhei para o relógio ao fundo do largo e extenso corredor que marcava as 13pm. Hora do almoço. Dirigi-me então ao refeitório num passo apressado e peguei num tabuleiro ficando agora à espera de ser servida. Após estar pronta para almoçar, procurei com um olhar um lugar vago e rapidamente encontrei um. Ao lado da janela. Caminhei em passos rápidos para o mesmo e pousei o tabuleiro sobre a mesa sentando me mais tarde.
23:00 pm.
Abri a grande janela do dormitório com o máximo de cuidado para nenhuma das raparigas acordar e saltei para o exterior. Como o nosso dormitório ficava no rés-do-chão era bastante fácil sair do dormitório. Envergava uma saia floreada e uma camisa branca juntamente com umas sabrinas. O meu cabelo estava solto e a minha face estava ao natural. Caminhei cuidadosamente até ao jardim e olhei o mesmo em volta não obtendo sinais do meu professor de literatura por isso, fui sentar-me debaixo de uma árvore enquanto esperava. Encostei as costas ao tronco da árvore e entrelacei os meus dedos uns nos outros encontrando assim um entretém.
“Está à espera há muito tempo?”
Ouço a voz grave de Mr. Hemmings e dou um pequeno pulo visto que a sua presença tinha sido inesperada. Nego com a cabeça e Mr. Hemmings encosta as suas costas ao tronco da árvore. Rapidamente vejo-o retirar um maço de tabaco do seu bolso. O meu olhar arregala-se um pouco após vê-lo aproximar o maço de mim.
“Quere um?”
Retirei um pequeno bloco e um lápis do bolso do meu casaco e escrevi no mesmo.
“Não, obrigada.”
“Não sabe o que perde Lin”
Lin. Nunca ninguém me tinha tratado por tal nome.
“Sabe que isso é uma das razões que o vai matar?”
Ele leu a mensagem e após expulsar o fumo da sua boca respondeu. “Sei mas, também é uma das razões por estar vivo. Aqui consigo.”
“Porque se quis encontrar comigo?”
“Quis companhia para a noite.”
“Porque não convidou outra pessoa?”
“Não quis. Qui-la a si.”
“Mas, porque é que...”
Nem acabei de escrever o bilhete visto que ele me tinha interrompido.
“Costuma ser sempre assim tão curiosa Emmaline?”
“Bem… sim.”
Mr. Hemmings expulsou o último bafo de fumo carregado de nicotina para o ar e apagou o cigarro na relva.
“Sabe Emmaline, vou contar-lhe uma coisa. Mas, não quero que a menina comente isto com ninguém.”
“Sim.”
Ele retirou delicadamente o pequeno bloco e o lápis da minha mão e escreveu no mesmo entregando me um pedaço de papel mais tarde. Neste estava escrito.
“Eu tenho cancro :( “