"Me diga o que você vê."
"Eu vejo lama, uma cabana em um quintal, um homem forte, alto, moreno e de cabelo meio grisalho. Vejo também uma senhora, esta me recordo bem, não vejo ela tem uns cinco anos, porém lembro bem de seu rosto, um olho ferido, cicatrizes elevadas, e um cabelo curto, problema na perna devido a um..."
"Acidente? É o que ia dizer?"
"Sim doutor. O acidente que possivelmente as matou. E lá neste quintal eu as via também, juntas, cabelos curtos como o meu, na verdade o meu era maior que os delas na época. Elas estão sempre de costas na visão, nunca consigo ver o rosto delas, não consigo lembrar. Estavam de vestido branco florido, esta é a lembrança do ultimo dia que as vi, estavam de mudança."
"E por que depois de quinze anos resolveu vir aqui, hoje, falar deste assunto?"
"Aconteceu alguma coisa esta noite, não sei explicar..."
"Depois de dez meses desde sua última visita."
"Você entende a gravidade do que se passa aqui? EU AS VI ONTEM."
"Explique."
"Foi um sonho, ou pesadelo, cada um vê de uma forma, eu vejo como um pesadelo. Eu estava na casa da minha madrinha, estava rolando um churrasco, típico na minha família, foi então que uma das gêmeas apareceu, fiquei pasmo, surpreso com a aparição, havia se passado quinze anos e agora ela estava ali, cabelo curto igual há quinze anos, vestida com calça jeans e uma camiseta verde, mas minha mente estava associando ela a outra gêmea que eu conheci, mas eu sabia que era uma das gêmeas pois a mãe dela disse que ela era a menina que eu brincava a quinze anos, e ela perguntou se eu lembrava dela. Respondi que lembrava sim e venho pensando nela há uma semana, todos olharam pra mim como se tivesse pintado um clima. Então ela riu. E foram embora, passaram lá só pra visitar."
"E você sentiu o que quando viu o sorriso?"
"Senti que veria ela de novo, e vi. Quando saí do churrasco, fui para o ponto de ônibus, e ela estava lá atravessando a rua vindo em minha direção, ela passou por mim e sorriu de novo."
"E o sonho acabou ai?"
"Sim. Acordei no susto e quando vi eu estava chorando feito criança que acabou de perder um parente. Senti uma tristeza gritante e uma saudade sem tamanho."
"Por quê? Qual o motivo de caracterizar isso como um pesadelo?"
"Qualquer lembrança que não podemos mudar é um pesadelo. Lembrar que não pude me despedir delas antes de partirem é uma dor enorme que sempre carreguei dentro de mim. Quando vi a mãe delas alguns anos após o acidente que as matou. Eu não sabia de nada, eu era apenas uma criança com uma recordação sobre duas garotas que nunca mais vi, porém ver a mãe delas ali e não ver mais elas me pareceu estranho, então questionei sobre o paradeiro delas. Então mesmo sendo criança e não entendendo muito da vida naquela época, vi no rosto daquela mulher uma dor e uma pessoa que não conseguia enfrentar seus demônios e nem como dizer a um garoto de nove anos o que aconteceu, ouvi por alto um dia ela conversando com meus pais e contando sobre o acidente que matou suas filhas e seu marido. Isto definitivamente era um pesadelo e agora logo eu lembrar disso, depois de tantos anos, era como estar vivo sem ter um membro. Sei que não é pra ser a minha dor, porém eu jamais consegui esquecer este fato."
"Você deveria esquecer sobre isso, seguir em frente, assim como a mãe delas o fez, enquanto carregar isto consigo, vai sofrer e quando lembrar sofrera ainda mais."
"Eu já esqueci tantas vezes, porém a vida sempre me arruma um jeito de lembrar e manter isto vivo em mim."
"Então fuja disto para sempre, ou vá atrás das respostas."
"Já pensei em ir atrás, porém não sei por onde começar. Não tenho mais contato com está mulher, não faço a mínima ideia de onde encontrar. E tenho medo de que realmente seja esta a verdade."
"E se você ouviu enganado e elas estiverem vivas? Você as procuraria?"
"Certamente eu ouvi certo, porém se um dia eu souber que ambas estão vivas, não sei o que eu faria. Mas, tiraria um peso das costas."
"Faça o que é certo e procure respostas, é a única maneira de tirar este peso que você carrega. Embora eu não veja motivo para você carregar por tanto tempo."
"As pessoas comuns jamais entenderiam. Porém, sou diferente e sinto que é o melhor ser assim."
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Sessão de Terapia
Short StoryAcompanhe a vida de um terapeuta que descobre em sua profissão uma forma de matar em silêncio. Com seu passado vindo a tona e se tornando publico por meio do Blog "www.phelipealmeida.blogspot.com", a vida deste terapeuta vai passar por uma mudança e...