As cortinas moviam-se delicadamente com a aragem que atravessava as altas portas de vidro entreabertas. Os tecidos finos fulguravam, esvoaçantes, e Lucas se deliciava naquele balé. A brancura do menino confundia-se com a brancura dos voiles de seda enfileirados por toda a extensão do salão. Era o tempo oferecendo o tempo.
— Lucas, filho, vai se perder no meio delas — disse sua mãe sem se desfazer do sorriso que havia traçado em seu rosto muito antes.
Clara desviou os olhos para as revistas que repousavam sobre a mesinha e se pegou analisando as publicidades pululando nas capas. Em segundos, fez alterações mentais aqui e ali, como se voltasse há sete anos, uma época em que ocupava o cobiçado posto em uma das maiores agências de publicidade, uma função que havia abdicado aos trinta e dois anos para se dedicar exclusivamente aos seus dois maiores projetos, e um deles estava ali, à sua frente, jubiloso.
Ela estava sentada em uma das poltronas forradas com linho cru espalhadas pelo salão localizado no térreo de seu prédio. O vestido florido na altura dos joelhos e de alças deixavam à mostra sua pele lisa e frágil. Em seu colo, havia um livro aberto, negligenciado. Seus olhos esverdeados não se cansavam de observar a candura, a despreocupada alegria promovida pela tenra idade. Clara apoiou o cotovelo no braço da poltrona e segurou o queixo, entregando-se à embriaguez que o regozijo lhe proporcionava.
O tempo parecia ter cessado seu curso, parou para que ela pudesse contemplar com vagar os movimentos do pequeno Lucas. Seus pezinhos descalços rodopiando no chão. Seus dedos finos acariciando o tecido no ar. Seus cabelos em cachos balançando de um lado ao outro. Seus olhos miúdos acompanhando o vaivém. Seu corpo inteiro se deliciando.
Que o mundo não mais se movesse! Que interrompesse sua rotação! Que aquele instante se perpetuasse. Foi o desejo dela. Ali, Clara o tinha inteiramente. Era a felicidade plena.
Em meio àquela entrega, uma porção de sentimentos invadiu seu corpo, alastrando-se até escapar pelos poros. Pensou ser capaz de flutuar. Sentiu seu peito inflar. A felicidade explodiria. Um rompante que a faria se jogar até ele. Enlaçá-lo-ia. Rodopiariam. Lançá-lo-ia ao alto. Enchê-lo-ia de beijos. Diria o quanto o amava.
Conteve-se na poltrona e perdeu-se nos últimos anos. Voltou quatro anos e o sentiu se mexer em seu ventre. Viu a luz esverdeada tomando a sala de cirurgia quando ele nasceu. Gozou da sensação de vê-lo pela primeira vez, de tocá-lo pela primeira vez. Do calor úmido. Dos primeiros passos. Das primeiras palavras. Dos primeiros anos...
De súbito, o sorriso sumiu de seus lábios. A leveza se esvaiu. Seus olhos se esforçaram por encontrar algo. Deu-se conta de que não tinha muitas recordações do último ano. Quase nada. O que restou não passava de fragmentos, como sonhos sonhados numa noite inquieta.
Ela se inclinou para a frente e o fitou com ligeira aflição. Os músculos de seu rosto agora retesados se juntavam à memória, que buscava uma lembrança, uma única lembrança dos últimos meses que a tranquilizasse. Nada. Um inteiro branco.
Lucas conservava-se na sua inocência, sentado em frente a uma das portas, observando o jardim do outro lado. Uma das cortinas o encobriu e ele sumiu. Clara sentiu um aperto em seu peito e se levantou, deixando cair no chão o livro ignorado. Puxou o tecido fino e lá estava ele, inerte, com os olhos fixos no gramado.
O sol já não entrava no salão quando Clara decidiu subir para o apartamento.
Abriu a porta e não escondeu o descontentamento ao ver a mesa com apenas um lugar posto para o almoço.
— Vai para o seu quarto, meu amor — disse baixinho no ouvido de Lucas, que sumiu no corredor.
Clara apontou na cozinha: panelas no fogão, travessas no balcão e alguns legumes já cortados na pia esperando para serem despejados na frigideira. Foi até o escritório, uma pequena saleta que ficava entre o quarto principal e a sala de estar, e encontrou-o lá.