Mamãe me gritava da sala para que eu fosse jantar. Eu não sentia fome e não tinha vontade de ir comer, mas sabia que se não comesse, Maria não me deixaria em paz. Desço correndo, ouvindo sua gargalhada bonita ao me sentir estalar um beijo em sua bochecha. A vontade de comer logo chegou ao ver a grande e bonita lasanha em cima da mesa. Mamãe sorriu ao me ver com os olhos arregalados e brilhosos em direção a comida. Filipe, meu irmão, riu alto.
"Ah mãe, eu te amo tanto. Obrigada, obrigada", resmunguei, beijando suas mãos. Sua gargalhada mais uma vez se faz presente, me fazendo sorrir junto. Ver minha mãe feliz era quase que um refúgio de todos meus problemas.
"E então, baixinha, preparada pra amanhã?" Ao ouvir a pergunta de Lipe, imediatamente sinto todo meu corpo travar. Óbvio que eu não estava pronta, ainda não acreditava que não tinha conseguido convencer mamãe a me deixar continuar a ter aulas particulares.
"N-não" Eu odiava gaguejar com meu irmão e minha mãe, mas sempre acontecia quando eu ficava nervosa. Vi a apreensão de meu irmão em seus olhos e não pude lhe oferecer um sorriso em conforto quando eu sabia que meus olhos denunciavam toda a insegurança que estava sentindo.
"Vai ficar tudo bem, filha. Sei que é um passo grande e que causa medo, mas vai ser bom pra você. Vai ver."
"E eu vou estar lá, pirralha. Estou um ano a mais que você, mas estarei sempre por perto."
Sorri agradecida, ainda sentindo o peso no peito. Me levanto, recolhendo meu prato. Agradeço a Maria pela comida e dou um beijo no rosto de cada um, sentindo os olhares preocupados dos dois atrás de mim enquanto subia as escadas.Deitada em minha cama eu só conseguia pensar no dia de amanhã. Desde que eu tenho dez anos de idade eu estudo em casa. Nasci com mutismo seletivo que se agravou quando meu pai resolveu que era bom demais pra nossa família e resolveu deixa - la. Desde então somos só eu, mamãe e Lipe. Nós éramos felizes apesar de todas as marcas deixadas por ele.
No começo, eu só conseguia falar, além do meu irmão e minha mãe, com a psicóloga (que me acompanhava desde criança). Tentamos fazer com que eu me adaptasse numa escola comum. Quando era pequena, não tinha problemas. As crianças não era maldosas e nenhuma delas entendiam que o que eu tinha era um problema, uma doença. Mas quando completei 10 anos e entrei na terceira série, as crianças começaram a ser maldosas e me zoavam por sempre estar no cantinho da sala ou sentada sozinha no refeitório. Em um dia que eu cheguei chorando em casa, mamãe decidiu que seria melhor eu sair da escola e estudar em casa.
Era o sonho pra mim, mas eu sabia que mamãe se arrependia da sua escolha. E eu sabia que era porque, estudando em casa, eu tinha quase que nenhum contato com outras pessoas, outras crianças. Por ser tão sozinha e não ter muito o que fazer, desenvolvi habilidades que Lipe diziam ser "espetaculares''. Eu não sabia se isso era verdade ou ele só me dizia por ser eu. Aprendi a tocar piano com 14 anos de idade. E violão aos 15. E eu sabia dançar um pouco, por causa dos inúmeros vídeos que eu via na internet.
Amanhã eu começaria o high school e eu estava muito nervosa. Veja, como eu disse, eu quase não tive contato com pessoas ao longo desses cinco anos. Meu ciclo de amizades e relações se resumiam a três pessoas. Eu não sabia como me portar com tanta gente ao meu redor. E eu estava morrendo de medo de viver aquele inferno mais uma vez. Eu podia não ter contato, mas eu via todos os videos do youtube e as meninas famosas no instagram. O tal padrão de beleza que eu via me assustava e eu com toda a certeza do mundo não me encaixava nele. Veja, eu tinha um corpo normal, bonito. Minha cintura não era estupidamente fina e meus quadris não eram exageradamente largos, minhas pernas eram grossas e meus seios não eram grandes. A minha barriga não era sempre chapadissima e eu gostava dela assim. E não ser tão fora do padrão nunca me foi um problema, eu me sentia bem e bonita assim. Mas, saber que eu lidaria com muitas meninas que exibiam o "corpo perfeito" me desesperava, me desesperava porque eu tinha medo de começar a não gostar de mim mesma ou delas me rejeitarem por ser normal.Era fácil para qualquer um perceber que eu estava desesperada e nada pronta. Mas também era fácil descobrir de onde vinha todo esse despreparo e medo. E o único jeito de superar todo esse medo, era estar lá.
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ANY
Teen Fiction"Any sempre fora acostumada com o silêncio e não contava com o barulho que sua vida se tornaria com a chegada dele." Any sofria de mutismo seletivo. fora diagnosticada desde nova mas a doença se agravou quando seu pai decidiu que era bom demais pra...