É
melhor começar a contar a minha fantástica, para não dizer esdrúxula, história antes que os detalhes mais interessantes comecem a se perder na longa linha do tempo ou entre as várias fileiras de arquivos da minha memória, que já nem é tão boa assim. Antes de eu mesma começar a duvidar que algum cérebro minimamente saudável possa processá-la. Antes que nem eu queira mais tocar no assunto, afinal, meus leitores podem achar que enlouqueci.
Acho que tudo começou quando eu morri, e a morte é sim o pior dia da vida de alguém. E você pode estar pensando, como uma pessoa passa de cadáver à esposa de um rei? Caro amigo, essa é uma história que vale a pena se contada, e eu sugiro que você se sente, pois o que vou lhe dizer, até para os mais simplórios, é, como eu disse, inacreditável.
Na primavera de 2017, se havia alguém feliz nesse universo era eu. Havia acabado de realizar a viagem mais incrível da minha, até então, vida. Passeio, inclusive, que me custou um tempo juntando um trocado e vários finais de semana vendo o "repeteco" de meus filmes favoritos na TV a cabo, porque sair custa dinheiro, principalmente com os amigos, e estes são recordistas em escolher o lugar mais caro.
Desde criança eu nutria a vontade de conhecer Londres, a capital de um país, o qual teima em manter o tipo de governo mais antigo do mundo, a monarquia. Ver o palácio da rainha, ainda que de longe, só para se ter certeza de que existe mesmo, bem como os castelos medievais e as construções históricas de uma época, capaz de fazer o coração mergulhar em sonhos recheados de príncipes e cavaleiros, no fundo, era quase como testemunhar minha imaginação, já bem fértil, virar realidade.
Quando cresci, juntei o dinheiro necessário e me aventurei como mochileira, agora mais com a intenção de conhecer um pouco do mundo que me certificar se príncipes, no sentido romântico do termo, são ou foram reais em algum momento da história humana.
Há muito eu já havia deixado de querer um príncipe, que dirá um rei. E Londres era exatamente como pensei, a beleza sobrevivente ao tempo, embora o palácio de Buckingham não fosse nem um pingo parecido com o da Disney. Era basicamente um retângulo.
No meu dia fatídico, embarquei num voo no aeroporto de Heathrow, de volta para a casa depois de quarenta dias de pura liberdade e diversão, os quais fizeram meus finais de semana de pipoca e suco de caju valerem muito a pena. Apesar da tristeza por ver minhas curtas férias chegarem ao fim, eu estava ansiosa por regressar.
Voltar à minha rotina, aos meus desenhos, ao meu piano velho, às minhas séries, principalmente Sherlock, e aos meus livros, embora soubesse que um terrível TCC estava no meu futuro relativamente imediato.
Eu odiava sentar nas poltronas do meio. Você sempre se sente deslocado entre duas pessoas desconhecidas, sem saber ao certo se deveria puxar um assunto ou fingir que não estão ali. Pelo menos sentado na janela, você tem a opção de olhar o clima e a paisagem celeste, e no corredor pode ver o movimento dos comissários, mas, no meio, não tem sequer para onde olhar.
Decidi pegar meu livro favorito da vez, de sir Arthur Conan Doyle, e abri-lo com a remota esperança do tempo passar mais depressa. Além disso, tinha de afugentar o nervosismo, por saber que dentro de alguns minutos não teria o precioso chão sob meus pés. Essa noção precisava, urgentemente, tomar seu rumo para bem longe da minha mente.
Viajar era bom, voar nem tanto.
Depois da tensão da decolagem, consegui relaxar um pouco. No ar, quando o avião estabiliza, dá até para fingir que se está em terra firme. O tempo estava tão bom que me peguei rezando para, ao chegar em casa, continuasse do mesmo jeito. O voo ainda levaria várias horas, decidi, então, mergulhar fundo nas excentricidades de meu detetive favorito, contadas em linhas escritas há mais de cem anos. E, bem no meio da solução de um caso, acabei por adormecer. Enquanto vagava nas profundezas de meus sonhos, em um lugar onde a tranquilidade parece atingir a pele, como uma brisa noturna suave após um dia de calor, a imagem dele voltou a assombrar meus devaneios.
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A Esposa do Rei
RomanceEla não queria nem um príncipe, muito menos um Rei. Mas por ironia do destino, ou pela Lei de Murphy, um soberano, para lá de irresistível, cruzará o seu caminho. Já imaginou ser levado por um buraco de minhoca para outro planeta? Pois é. Everlin ta...