Paris, 21 de agosto de 2017.

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Sentada em uma das mesinhas do Café de Fleurs, eu tento organizar as ideias no meu moleskine. Minha cabeça fervilha livre em idéias desde o momento que vi um casulo intacto de borboleta equilibrado em harmonia no caule de uma roseira pertencente ao jardim do lugar onde estou hospedada.

Eu desejo produzir coisas boas, pensar boas palavras e apresentá-las ao papel, mas minha companhia simplesmente não para de falar. Poucos dias na cidade luz e eu já bufo tal qual os franceses. É quase impossível me concentrar enquanto tantas outras palavras são desferidas de forma muito crítica em direção às minhas ideias. Eu estava com saudade de tê-las e, mais ainda, de escrevê-las.

Minha morte durou cinco anos até que, um dia, eu decidi que havia chegado o momento de retornar a escrever.

Hoje é meu aniversário.Meu segundo aniversário.

― Eu não acredito que você optou por esse caminho... – o tom da voz dela era tomado pela ironia. – Você realmente vai falar sobre o amor romântico?

― Quieta, Simone! – eu reclamo incomodada com a crítica – Eu não critico sua visão de relacionamento. Por favor, sem críticas à minha.

Ela se cala por um tempo, mas eu entro em absoluto conflito ao escrever minhas primeiras linhas de reescrita.

Em uma Grécia muito antiga, em um tempo completamente desconhecido pela Humanidade, havia na ilha de Creta o lar dos escribas.

Ela pigarreia.

― Se você vai falar de amor como pretende e nesse lugar, chame-o como se você fosse de lá. Eles não chamam a própria terra assim.

Os romanos chamaram aquela terra de Grécia, mas aquele não era seu verdadeiro nome. Eu sempre soube como ela era chamada pelos helenos, mas algo em mim tinha muito cuidado em chamar seu nome.Eu sabia o que significaria dentro de mim.

Ela se chama Hélade.

Em uma Hélade muito antiga, em um tempo completamente desconhecido pela Humanidade, havia na ilha de Creta o lar dos escribas: a Alocse. O que eles faziam ali? Ora... O que mais um escriba pode fazer além de escrever?

Lá, os caminhos de escrita eram trabalhados por mestres, sábios cujos nomes haviam sido sussurrados pelas estrelas para aquele propósito.

E esse também era o lar de Aurora, uma escriba de homens.

Na data de hoje eu renasci e ela nasceu. Uma oliveira atrás de nós duas fazia um movimento diferente no vento, balançando os galhos. Assustadoramente eu pude ouvi suas folhas e me virei em sua dieração. Eu podia vê-la. Podia ver a todas novamente. Estava diante de todas as oliveiras mais uma vez: o imenso campo onde elas se espalham ainda estava lá, a noite começava a se desfazer com o primeiro toque do sol no horizonte trazendo o âmbar que anuncia o amanhecer. A Aurora. O Sol se erguia e me retirava das sombras e, ao mesmo, lançava luz sobre as minhas palavras. O céu clareava, as palavras amanheciam e então tornou-se nítido que aquele sol havia algo para contar e que, na minha ausência, alguém anotara suas palavras, cabia a mim – ou melhor – cabia a nós duas (eu e Aurora) tomar conhecimento do relato do sol e agradecer por fazer parte de um momento tão ímpar, afinal não é todos os dias que um Sol escolhe uma única história para contar antes de tornar-se uma Supernova.

Nós duas estávamos muito animadas com o dia que se aproximava: o desvelamento do pergaminho que guarda o relato do sol.

Havia um sorriso muito largo e sincero no meu rosto.

Não vi o exato momento que Simone se retirou da mesa deixando-me na companhia das minhas palavras e do garçom que informou que meu chocolate não estava mais quente. Aquilo não me incomodava. Eu podia sorver aquele líquido harmonicamente espesso e frio sem qualquer sofrimento.

Meu coração estava quente.

Eu estava mais uma vez sob o sol das palavras.

Eu era uma escriba.

O conto da Supernova (e-book à venda na Amazon)Where stories live. Discover now