A escriba

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─ Pensativa? – perguntou uma voz em pé, por trás da pedra onde ela estava sentada.

Era seu mentor, um homem de coração muito nobre, sorriso cativante e olhos paternais cuja estatura e porte não chegavam nem de perto a demonstrar seu poder. Apesar de toda sua habilidade de tocar corações apenas com o silêncio, havia optado pelo caminho dos escribas de homens na tentativa de se aproximar mais a eles, mas sempre foi nítido que suas aptidões o levariam para além das práticas de qualquer caminho de escrita.Ser um escriba de homens significava escrever para tocar corações e proporcionar divertimento aos que lessem. Parecia uma tarefa fácil, mas nunca foi. Talvez nunca seja. Os escribas de estrelas e de leis tinham mais facilidade para cumprir suas funções: bastavam seguir orientações já determinadas. A um escriba de homens cabia a tarefa de seguir seu próprio coração inspirado por sussurros.

─Na verdadeestou reflexiva, Mestre Yrneh.

─Isso é muito bom.-um dos melhores, senão o melhor, leitor da Alocse arqueava as sobrancelhas demonstrando esperança.

― Vou reescrever aquela obra.

Ainda de pé, por trás de mim, ele me disse o que eu precisava ouvir.

─Sabe o que dizem sobre andar velhos caminhos? Por que você não tenta escrever algo absolutamente novo?

─ Eu não estou encontrando palavras em coisas novas. Eu só as encontro em coisas antigas. Sem qualquer relação com meus escritos antigos elas parecem soltas, perdidas, absolutamente sem sentido. O que eu juntei e escrevi tentando esquecer tudo foi a minha maior derrota.

─Aurora, não existe derrota quando se escreve.

Aurora era uma Senitram. Assim era conhecida a casa liderada por seu Mestre, cujo símbolo era um sol que se confundia com uma rosa dos ventos. Muitos chamavam aquela marca de O Hiperião. Senitram também era o sobrenome de Yrneh que optou por batizar a casa dessa forma para o desgosto dos sábios mais antigos. Havia algo nele que adorava uma sábia subversão.

─Escrever não é um ato de derrota, Mestre. Mas o que se senti ficou muito próximo dessa palavra.– ela suspirou antes do ato de auto piedade – Eu sei que não sou uma derrota.

─ Não. Você é apenas uma escriba tentando encontrar suas palavras.

Aurora suspirou.

─Por que aquela história precisa ser uma bagunça sem fim? Às vezes nem eu consigo entendê-la.

Yrneh riu sem produzir qualquer som antes de dizer algo que sempre diz aos filhos de sua casa de escrita.

─ Um escriba que quer entender tudo o que escreve acaba se perdendo no caminho.

Algo atormentava Aurora há algum tempo. Se havia um momento para falar sobre o que a assombrava, esse momento era agora.

─ E se aquilo não foi um sussurro? – tudo em Aurora estava turbulento e ela esperou um rompante de indignação de seu mestre. Mas Yrneh seguiu olhando sereno para o mar azul royal prateado pela lua naquela noite. Era noite de cavalaria. – E se aquilo não passou de uma tolice minha?

─ Essa sua dúvida é uma tolice. Tenho certeza disso. – disse em um doce açoite.

─ Você ouviu a declaração do Conselho Literário na avaliação final quando foi arquivado na biblioteca.

Ele ouviu. Todos ouviram. O Cosmos inteiro ouviu. Vergonha, vergonha, vergonha. E naquele dia, envergonhada de si mesma, ela decidiu parar.

Naquele dia, envergonhada de mim mesma e do meu fracasso, decidi parar e tentar outros caminhos, mas ela me chamava todos os momentos do dia e eu fingia não ouvi-la. E com isso o maior vilão de nossa história se agigantou.

─ Você irá amanhã? – Mestre Yrneh referiu-se ao lugar no tempo do maior evento da história. Aurora respondeu com um claro.

O motivo da expectativa tinha o formato de um cilindro transparente e reluzente mantido aos olhos de todos no hall de entrada do prédio da biblioteca. Ali ficava guardado um tesouro: o pergaminho com o relato de um sol que escolheu uma única história para contar antes de entrar no vale da morte das Supernovas. Na parte superior da imponente escadaria de entrada, o cilindro compartilhava espaço com as quatro lâmpada de Creta nas quais foram talhados os quatro pilares temporais da Alocse: passado, presente, futuro e infinito.

Aurora tinha uma curiosidade sobre a natureza do relato.

─ Uma supernova sempre leva consigo algo que a estrela presenciou enquanto viva?

― Não. Essa não é a pergunta que você queria fazer.

O Mestre a conhecia mais do que ninguém.

― Por que o relato de uma estrela antes da morte faz parte do mistério dela? – disse em retórica – Porque ela ama tudo que faz parte daquele relato e ela quer salvar aqueles personagens, levando tudo.

Aurora pareceu confusa com a resposta de Yrneh.

― Ela quer levar tudo?

— Sim. Tudo e todos. É um amor fulminante. Uma Supernova não conta uma história para que ela seja conhecida. Ela a conta para salvá-la.

O conto da Supernova (e-book à venda na Amazon)Where stories live. Discover now