Há convites que não devem ser aceitos.
Há acordos que não devem ser selados.
Yeji e seus amigos não sabiam disso até ser tarde demais para voltar atrás.
Por isso, alerto-o, caro leitor: se um dia vier visitar a cidade de Coimbra, na noite de Hallowe...
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O dia da festa na colina chegou mais rápido que Yeji gostaria.
Paul Wang, atual prefeito da cidade, não parou em casa, assim como sua esposa, Eun-tak. Com os negócios de exportação de produtos agrícolas crescendo, e a vida de socialite em alta, nem tempo para repreender o comportamento relaxado e encrenqueiro da filha o jovem casal tinha.
Por isso num dos raros momento em casa, ao ver a menina de cabelos escuros passar com um cigarro na mão, Eun-tak nem se dá ao trabalho de erguer os olhos do tablet para repreendê-la:
─ Não infeste minha casa com esse cheiro nojento. O seu quarto não é o suficiente?
─ Não se preocupe, já estou de saída. ─ Yeji retrucou apagando o cigarro e apertando a alça da mochila.
Enfeites de abóboras, morcegos, e teias de aranhas, cobrem as ruas em mais uma noite de Halloween. Por alguma razão aquela noite na cidade também era conhecida como a Noite da Colheita de Coimbra, pois sempre que a meia noite vira, e o sol de primeiro de novembro nasce no céu, todos os frutos da plantação estão prontos para serem colhidos.
Ao virar na esquina da Rua Treze, Yeji avista Lia. A fantasia da amiga é o espelho da sua ─ a loura é tweedle dum enquanto ela é tweedledee. Os olhos curvilíneos da menina vagam de Lia até o rapaz de lábios fartos, com um cigarro preso a boca, escorado na cerca da casa de Kai junto com JB.
Os cinco formavam o pior grupo de amigos que alguém poderia ter.
─ Cadê sua namorada? ─ Yeji debocha já sabendo a resposta.
─ Ela não foi convidada ─ Mark apaga a bituca de cigarro e passa o braço sobre os ombros dela ─ E deve estar ocupada fazendo nosso dever de casa.
Mark é um dos caras mais bonitos do colégio e tem um namoro de fachada com a filha do diretor, não apenas por ser a maior nerd, e a mais ingênua, da escola, mas para que saia ileso das transgressões que comete durante o período de aula ao lado dos amigos.
─ E quem mais foi convidado?
A inquietação que Yeji sentiu no dia que recebeu o convite não a deixou em paz nem por um segundo nos últimos dias. E agora que estavam prontos para ir à festa, parece corroer seu interior.
A brisa noturna faz os pelos nos braços dela se eriçarem mesmo em meio ao mormaço da noite.
─ Sei lá, só estou indo porque a anfitriã é a maior gata ─ JB pisca para Yeji e Kai lhe dá um cascudo.
─ Nem vem, vi primeiro!
─ Sem brigas. ─ Lia bufou. ─ Ela não vai querer nenhum dos dois ao perceber os otários que são.
Os rapazes a encaram de soslaio e saem andando na frente, ainda discutindo sobre quem tem mais chances com a novata.
Yeji umedece os lábios. A sensação latejante em seu tórax a aflige cada vez mais.
─ Relaxa, não vou entrar na disputa ─ Brinca Mark lhe dando um selinho ─ Você é o suficiente para mim.
Ele segura a mão dela com um aperto suave. A cada passo que dão o casarão gótico de Coimbra se torna visível através da neblina que cobre as redondezas.
O nó no ventre da menina se torna cada vez mais incômodo. A grama ao redor da casa está seca, as árvores mortas. Teias de aranhas cobrem o lugar e as abóboras iluminadas, sorrindo na varanda, tornam o lugar ainda mais assustador.
As risadas cessam quando param em frente às portas de madeira e JB bate a aldrava duas vezes.
Que casa em pleno século XXI não tem campainha?
Uma com o exterior deteriorado e apodrecido. Ela olha para Lia a procura de um olhar assustado e receoso, como o dela, mas a loura parece extasiada com o clima tenebroso que o lugar transmite.
Uma jovem de pele alva e cabelos negros abre a porta. Os cantos de sua boca se elevam em um sorriso de dentes alinhados ao vê-los:
─ Chegaram, finalmente. A hora da Colheita está próxima!
