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Admirando a ampla vista que me era oferecida, da mesa confortável em que estava, suspirei pesadamente. Os enormes prédios quase cobriam o céu, o trânsito incessante e as pessoas que caminhavam apressadas pelas calçadas, compunhavam a imagem habitual da deslumbrante e esplendorosa Manhattan. Sentia cada palpitar a mais de meu coração sempre que parava para analisar a grandiosidade daquele lugar, entretanto, era no horizonte que minha mente estava instalada.

Todo o caminho que já havia percorrido até chegar ali, todos os empecilhos, impactavam-se contra minhas memórias naquele exato momento e faziam-me recordar da árdua caminhada. Agora, que tudo parecia finalmente prestes a encaixar-se e decolar, o temor e ansiedade pelo que me aguardava pareciam corroer cada parte de mim.

— Você está muito pensativa. — A voz doce e serena da mulher de lisos fios pretos e traços asiáticos, soando e adentrando meus ouvidos, fez com que pudesse voltar, enfim, à realidade. Recostando-me na cadeira da mesa em que estávamos e consertando minha postura, encarei uma Hina sorridente, sentada em frente a mim  — É um dos sinais de quando está nervosa.

Dando um pequeno gole no café expresso ao final da frase, lançou-me o olhar de quando aguardava por uma negação. Porém, não foi o que fiz.

— É, eu estou. — Assumindo com franqueza, não pude evitar sentir a onda de frustração me invadir por inteira. Tomando rapidamente em mãos a xícara ainda cheia pelo capuccino já morno, levei até minha boca, buscando uma mera distração.

O pequeno sorriso solidário ao ouvir minha confissão, lembrou-me de o porquê aquela irmandade perdurar tão longamente.

— Você vem se preparando pra isso por anos, Any.

O tom macio, amável, saindo por entre seus lábios, de fato traziam um pouco de consolo.

A expressão, o sorriso, os gestos e, principalmente, sua personalidade, eram leves como nuvem. Tudo em minha tão amada amiga, e quase irmã, era doce. Hina combinava com aquele ambiente, a cafeteria que havíamos escolhido para passar aquela tarde livre, tão requintada e bem frequentada, com elegância mas ainda sim aconchegante. Ela combinava com a vida e sua especialidade era fazer a de todos ao seu redor feliz.

— Hina, eu sei que estou preparada, pode acreditar, não é isso que está me afligindo. — Com a completa convicção prevalecendo em minhas palavras, rebati.

— Então, me diga o que é!

Permitindo com que o silêncio imperasse entre nós por alguns longos segundos, tentei reorganizar a confusão que se apoderava de mim e, assim, analisar tal situação e fornecê-la a resposta.

Olhando meu próprio reflexo no líquido morno entre meus dedos, admirei a mulher de pele negra e cabelos cacheados caindo nos ombros, repleta de feridas emocionais passadas mas, ainda sim, disposta a tudo por sua felicidade. E, então, ponderei.

Medo, ansiedade e receio eram as três automáticas palavras que vinham à minha mente ao que me cobrei justificativas. Grandes mudanças sempre foram como pesadelos para meus gostos propensos à calmaria, no entanto, este era o contraste de uma vida inteira. Nada durante o trajeto que percorri havia sido calmo, monótono, fácil. Estive em um constante nado contra a correnteza, esquivando-me de fardos, de fantasmas passados que atormentavam-me a cada noite. Laços familiares arruinados e, em detrimento disto, inúmeras feridas abertas. Se não fosse por Hina, a amizade de anos que construímos e, claro, sua bondosa família, eu entraria em completa ruína.

Fiz de minhas mágoas um propósito a se buscar e batalhei por ele, dia após dia, e havia o conseguido. Estava apenas há vinte e quatro horas de iniciar uma grande experiência em um renomado hospital no centro de Nova York e o fato de não saber pelo que esperar, tornava-se aterrorizante. Era o incerto que assustava-me.

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