3 • Vórtice

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A semana havia sido longa e, certamente, cansativa. Esta sim poderia ser a palavra correta para descrevê-la. Uma sobrecarga absurda de responsabilidades havia despencado sobre meus ombros e, agora, apenas a exaustão tinha espaço em mim. Em meus primeiros sete dias na enfermaria do Memorial Sloan-Kettering, os plantões intermitentes, os pedidos de exames inacabáveis e a alta demanda de pacientes, acabaram por sugar toda idealização ilusória acerca de realizar um grande sonho. Mas, dentre todos estes motivos, os principais causadores do eminente estresse emocional, sem dúvidas, haviam sido dois fatores; a ignorância, que alguns pacientes insistiam em ter aos profissionais que os tratavam e, por fim, o descarado tratamento de indiferença vindo de meu preceptor, Dr.Hill, que a cada dia mais ia agravando-se.

O desdém notório mostrava-se nos pequenos detalhes durante aquele período de tempo, desde a falta de auxílio, enquanto o dava de bom grado a outros, até a forma indisciplinar ao qual dirigia suas frases monossilábicas a mim.

Apesar de tudo aquilo, a paixão pela dedicação a salvar vidas ainda movia-me e motivava. A certeza de que, de uma forma ou de outra, estava contribuindo para ajudar a quem de mim precisasse, supria as frustrações. Além de saber que, não importasse os preconceitos do médico que supervisionava-me, muito em breve cumpriria meu papel de estar em uma sala cirúrgica, fazendo o que de fato nasci para fazer.

De todo modo, ainda haviam exceções durantes aqueles estressantes dias, que eram capazes de, por alguns minutos, fazer o esforço valer a pena.

— Como você se chama, querida? — A voz exausta da mulher já idosa que acabara de sair de sua última sessão quimioterápica, questionou-me de surpresa.

Deixando de lado o prontuário médico que estava por finalizar, olhei para ela.

— Pode me chamar de Any. — Respondendo-a com gentileza, pus-me prontamente para o que pudesse vir.

— Você tem brilho nos olhos, Any. — Soltando a frase desconexa e percebendo que havia deixado-me de certo modo confusa, a doce senhora sorriu — Obrigado pela gentileza, jovem doutora.

Meu coração não poderia ter apertado-se mais, pela forma genuína como tais palavras haviam sido ditas. A alegria emanando de cada um de seus poros tinha fundamentos e era perfeitamente justificável que a vida, aos seus olhos, agora estivesse mais colorida. Era sua última sessão, o câncer havia sido vencido. E, por saber deste motivo e não só por estar agradecida por tais palavras, toquei sua mão, acariciando-a e devolvendo-a um sorriso.

— Sou eu quem agradeço à você.

Durante aqueles dias, ter a companhia de Heyoon e Sina, nas doze horas de trabalho, acabara-se por se tornar um bálsamo. A amizade que criava-se a cada novo plantão e sessão clínica, tornou-se sólida e expandiu-se também para além das portas do hospital. E, ao que fora informado a todo corpo de profissionais que, naquela mesma semana, haveria o grandioso jantar de gala anual, a euforia as consumiu e fui levada a entregar-me também.

Executivos, investidores e grandes pesquisadores da área da saúde estariam presentes, assim como cada funcionário do Memorial, cujo ofertara aquele extravagante evento.

Ninguém estava disposto a fazer tal desfeita e eu não seria a única a fazê-lo.

Minhas noites ao chegar no apartamento locado no Queens também não eram menos agitadas. Com o percurso de horas e plantões intermináveis, encontrar com Hina havia tornado-se uma tarefa difícil, apesar de morarmos sob o mesmo teto. Seu, até então, estágio na sede editorial em uma mediana revista de moda Nova Iorquina, havia evoluído para um bom remunerado emprego, então as raras vezes em que estávamos juntas em casa, acabaram por tornar-se, ao menos pelo ponto de vista dela, motivo de comemoração. E, neste meio tempo de nossas turbulentas rotinas, a data marcada para a vinda de Krystian, seu irmão, chegara.

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⏰ Última atualização: Oct 18, 2019 ⏰

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