•III

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SINGER

Violet tinha razão, o auditório estava cheio. Não sabia de onde tinham saído tantos talentos, mas com prêmio em dinheiro, não era muito surpreende. Não ficaria surpresa se a alguns deles nem tivesse algum talento pra começo de conversa.

-Licença, licença! -abri caminho entre todos e cheguei até a lista dos inscritos, com o nome Lyra Singer escrito na letra de Violet.

A professora Gwendolyn, de artes, me viu pegar uma caneta para riscar meu nome e pigarreou.

-Singer, o que está fazendo? -perguntou.

-Tirando meu nome da lista, senhorita Miller.

-Não será possível. Depois de inscrito, é obrigatória a participação.

-O que!? Mas foi a Harper que...

-Obrigatório! -cantarolou, me dando as costas.

Certo, eu estava oficialmente acabada. Teria que me apresentar na frente de um monte de alunos? De jeito nenhum. Eu convenceria a professora, imploraria pra que ela não me fizesse passar por essa tortura e...

-Olha só... -ouvi uma voz conhecida dizer, com um tom de divertimento. Ah, cara... Sério? -A pianista com medo de plateia vai participar?

Desde o fatídico dia em que Mason me batizara com aquele apelido, já tinha me acostumado a ele por ouvi-lo sempre nas poucas vezes em que trocávamos algumas farpas. Principalmente por eu revidar chamando-o de vocalista e guitarrista de garagem. Porém, naquele momento, o nome me incomodou mais do que o normal. Aquilo era a minha vida pessoal, e ele estava exibindo meu medo para metade dos alunos a nossa volta escutarem. Mason mostrava um sorrisinho debochado ao me chamar daquele jeito que me fazia querer socar aqueles dentes brancos e alinhados.

-Pianista? -o queridinho de Violet perguntou. Todos os quatro estavam ali. Claro. Eles também iriam participar. E como não participariam? A banda oficial daquele colégio não poderia deixar essa passar.

Apesar de eu ter contado para Violet o porquê de não nos darmos bem, a expressão de dúvida de Jake denunciava que Mason não tinha feito o mesmo com seus amigos. Imagino que provavelmente ele não gostaria de admitir que levou um não na cara dura.

-É. Pena que tem pânico de palco. -Hoult confirmou, demorando nas palavras, como se estivesse saboreando o efeito delas. Tudo isso utilizando aquele sorrisinho irritante ao qual eu já estava acostumada.

Tinha mudado de ideia dos meus treze anos pra cá. Esqueça o que eu disse. Por mais bonito que ele fosse - o que era bastante mas não o suficiente para sobrepor sua audácia - não conseguiria ter sequer um porcento de queda por esse cara. Mas ficaria feliz em empurrá-lo de uma queda bem alta e dolorosa.

Resolvi entrar na sua brincadeira. Todos ali conheciam a banda deles, então seria perfeito para levarem um fora da pianista reprimida. Só assim eu conseguiria manter minha dignidade depois de Hoult ter aberto a boca, espalhando que eu era medrosa.

-Pois é... Eu costumava ter medo. Mas, agora, acho que vai ser uma boa oportunidade de mostrar pra vocês o que é talento de verdade. -dei o sorriso mais presunçoso que consegui, em perfeita harmonia com uma expressão falsa de confiança.

Os alunos em volta fizeram um coro de "UOOW".

-Olha só... -ele soprou um riso sem humor -Isso é um desafio, pianista? -Mason cruzou os braços na frente do peito, uma pose autoritária que ele tinha desde pequeno. Seus olhos azuis elétricos esbanjavam cinismo.

-Eu... -olhei ao redor. Todos pararam para ver a cena. Eu não podia dar pra trás agora. E nem iria -Sim. É um desafio. E quer saber? Eu já ganhei, então pode preparar sua melhor cara de derrota. Não que você já não use ela o tempo inteiro.

Os alunos murmuraram mais algumas coisas, achando que eu era louca de aceitar um duelo com aqueles quatro. Afinal, quando você imagina um pianista de qualidade, infelizmente não é a imagem de uma garota de 1,60 de altura que lhe vem em mente. Nenhum deles sabia que eu tinha talento verdadeiro, e suas expressões pareciam de pena. Talvez, se eu fosse um velho com um smoking, luvas brancas e um bigode espesso, me dessem mais crédito. Isso me fazia ter um pouco de satisfação, ao imaginar todos boquiabertos ouvindo a pianista reprimida aqui tocar.

-Já está assim tão certa da vitória, Singer? Tá certo... Te vejo no pódio. Você vai adorar o segundo lugar, pianista. -Hoult estendeu a mão para que eu apertasse, abrindo mais ainda o sorriso desdenhoso.

Isso me recordou de quatro anos atrás, quando Mason se apresentou para mim enquanto eu tentava resgatar minha mochila. Aquele garoto, abusado e com camisa de banda de rock amassada e cabelo bagunçado, só tinha crescido para ficar ainda mais petulante. Se antes eu tentava resgatar meus pertences, agora eu lutava para resgatar minha moral.

Ótimo. Eu conseguiria, definitivamente.

Limpei a garganta.

-Vai sonhando, sr. Banda de Garagem. -e apertei a mão dele.

🎹

*Toccata and fugue in D minor: música clássica, originalmente feita para órgão, composta por Johann Sebastian Bach.

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